30 de novembro de 2008
Simplesmente Maria
Era o folhetim radiofónico que parava qualquer actividade do universo feminino nos anos 70. Penso que mesmo as intelectuais não conseguiam deixar de o ouvir. As desgraças duma jovem "criada, pura e honesta" num mundo de crueldade tamanha, que fazia chorar a quem as ouvia.
Lembro-me de ver as pessoas quedadas a ouvirem aquelas tiradas dramáticas, que no entanto pareciam modernas face aos pesados folhetins da Emissora Nacional.
Outro dia, na loja que já vos falei no Mercado de Santa Clara, encontrei alguns exemplares da revista complemento deste folhetim, que me encheram de espanto.Assim fiquei a saber que existia um consultório e uma fotovela a cores sobre o tema.
O Simplesmente Maria ficou no imaginário de muitos. Era a força da rádio nesses anos. Era assim.
do domingo...
hoje também não há nada aberto. domingo… impensável.. trabalhar ao domingo é “o” escândalo francês. para incredibilidade de muitas pessoas o intermarché abre ao domingo das 8h30 às 11h45. tirando isso há uma ou outra esplanada, mas o frio não convida a ficar cá fora. podíamos ir visitar os amigos, mas parece que o domingo pede pijama e pantufas. penso nisso tudo, procuro o que fazer à tarde e penso nas fotografias que podia tirar que falem das coisas que faço ou vejo. talvez mais logo fale do filme da amália ou tire uma fotografias ao bolo de chocolate que penso fazer, agora que percebi que quando é para mexer os bolos é com a batedeira… ou quem sabe ponha aqui uma fotografia de uns panados que gostava de experimentar com o pão ralado que comprei… podia falar de algum livro ou de algum artigo que tenho lido, mas nem isso. trago livros mas não os leio. talvez tire a fotografias dos dossiers que estão em cima do sofá da sala há alguns dias, das contas da associação, da burocracia a tratar.
entretanto vou dizendo estas coisas e posso acrescentar que depressa me esqueci do mais recente episodio no lidl e que ontem lá voltei. estava cheio. estacionei o carro noutro sítio, na descida. esqueci-me de levar sacos e tive que comprar dois. os artigos voavam à velocidade do número de pessoas que entrava no supermercado. os ovos vieram parar ao saco, em voo directo. o saco rebentou-se caiu ao chão e os ovos partiram-se lá dentro. a caixeira suspirou atirou-me dois guardanapos para eu limpar as mãos limpou o chão e os meus sapatos e os artigos continuaram a voar…
Natal, reflexões, como seria a quadra na aldeia de Broas?
As origens da Aldeia de Broas remontam à Idade Média. Esta singular povoação abandonada terá começado a crescer a partir dum típico casal saloio até reunir sete famílias. Porém, ao contrário de outras aldeias da região, o seu crescimento estagnou e devido à falta de acessos, que nunca foram construídos, começou a sua lenta agonia, tendo a sua última habitante, a “Ti Jaquina”, deixado esta aldeia há cerca de 30 anos. A “TI Jaquina” ainda resistiu uma década de guarda à aldeia cujos últimos habitantes foram abandonando fugindo do isolamento e em busca de novos horizontes. Após a sua saída, começou a existência desta… Aldeia Fantasma.
É muito curioso conhecer o resto da história desta aldeia e sentir, no local, o isolamento a que os seus habitantes estiveram sujeitos ao longo de anos e anos.
Natal, e Não Dezembro
Entremos, apressados, friorentos,
numa gruta, no bojo de um navio,
num presépio, num prédio, num presídio,
no prédio que amanhã for demolido...
Entremos, inseguros, mas entremos.
Entremos, e depressa, em qualquer sítio,
porque esta noite chama-se Dezembro,
porque sofremos, porque temos frio.
Entremos, dois a dois: somos duzentos,
duzentos mil, doze milhões de nada.
Procuremos o rastro de uma casa,
a cave, a gruta, o sulco de uma nave...
Entremos, despojados, mas entremos.
Das mãos dadas talvez o fogo nasça,
talvez seja Natal e não Dezembro,
talvez universal a consoada.
David Mourão-Ferreira
De arco em folha
Adivinhem se conseguirem, o nome desta rua.
Foto e título de um amigo desta Rua dos Dias que Voam.
29 de novembro de 2008
O escuro das luzes
"Para que metem tanta luz, já viu isto? Para quê? Não é por isso que deixamos de andar assim tão escuros".
Perante a evidência dos factos calo-me. Mas lá no fundo, as luzes aquecem-me um bocadinho a alma. E quando passo à esquina, abro o vidro e estendo o braço a dizer adeus.
As vozes da chuva
As pétreas nuvens, as amargas nuvens
por sobre os edifícios do Inverno
deixam cair os negros filamentos:
A sociedade espessa
da cidade não sabe
que os fios de pedra já desceram
ao coração dessa cidade pétrea.
As nuvens desembarcam saco a saco
as pedras do Inverno
e cai de lá de cima a água negra,
a água negra por sobre a cidade.
Pablo Neruda, As Pedras do Céu
Poetas da cidade
Recordo ainda Ary dos Santos, imponente, excessivo, no coliseu, a assistir a um concerto do cantor Patxi Andion.
E porque a chuva hoje nos invade sem que dela nos possamos alhear e o estudo fará sempre parte da caminhada, aqui ficam dois registos marcantes para quem rabiscou estas linhas e sente gosto na partilha:
Dia de chuva na cidade
Dia de chuva na cidade
triste como não haver liberdade.
Dia infeliz
com varões de água
a fecharem o mundo numa prisão.
E alguém a meu lado com voz múrmura que diz:
"está a cair pão"
Ah! que vontade de gritar àquela criança seminua
sem pão nem sol de roupa:
"Eh! pequena! Deita-te na rua
E abre a boca..."
Dia em que urdo
este sonho absurdo.
José Gomes Ferreira
Estudar é muito importante, mas pode-se estudar de várias maneiras...Muitas vezes estudar não é só aprender o que vem nos livros.Estudar não é só ler nos livros que há nas escolas.É também aprender a ser livres, sem ideias tolas.Ler um livro é muito importante, às vezes, urgente.Mas os livros não são o bastante para a gente ser gente.É preciso aprender a escrever, mas também a viver, mas também a sonhar.É preciso aprender a crescer, aprender a estudar.Aprender a crescer quer dizer:aprender a estudar, a conhecer os outros, a ajudar os outros, a viver com os outros.E quem aprende a viver com os outros aprende sempre a viver bem consigo próprio.Não merecer um castigo é estudar.Estar contente consigo é estudar.Aprender a terra, aprender o trigo e ter um amigo também é estudar.Estudar também é repartir, também é saber dar o que a gente souber dividir para multiplicar.Estudar é escrever um ditado sem ninguém nos ditar;e se um erro nos for apontado é sabê-lo emendar.É preciso, em vez de um tinteiro, ter uma cabeça que saiba pensar, pois, na escola da vida, primeiro está saber estudar.Contar todas as papoilas de um trigal é a mais linda conta que se pode fazer.Dizer apenas música, quando se ouve um pássaro, pode ser a mais bela redacção do mundo...Estudar é muitomas pensar é tudo!
José Carlos Ary dos Santos
O Tupinambo
Não tem grande aspecto como se vê. Já foi muito cultivado no Alentejo e agora anda esquecido. Mas dizem-no saboroso crú na salada ou cozinhado. Faz bem a tudo.
Outros nomes porque é conhecido: marquesinhas ou girassol-batateiro.
É recomendado a diabéticos e substituí bem a batata.
Eu experimento para vos contar a que sabe.
À venda na Miosótis, link à esquerda.
Ei-LO QUE VOLTA!
“E é Natal outra vez
(está sempre a ser Natal, que coisa, a velocidade com que os Natais se sucedem).”
António Lobo Antunes in “Terceiro Livro de Crónicas”
28 de novembro de 2008
E alvitrai de vossa justiça
Duas imagens para um espaço, num bairro em que já dominou esta ocupação. Que bairro e que rua é e que actividade ocupa este espaço, dizei por favor.
portas que foram em fajão
estas são portas de uma casa que já não existe em fajão.
uma paixão antiga: a casa do 'ti capitão', a dois metros da casa onde nasci.
Compras
Os detalhes para a Teresa
Sugestões natalícias para o "homo politikus"
- A quem se destinam os seguintes títulos no prelo? (podem encontrá-los brevemente nas livrarias de bairro ou nas megastores e destinam-se a determinadas figuras públicas... será que as querem identificar mesmo registando só as iniciais ou tratar-se-á de um exercício demasiado exigente?
Sugestões de obras a ofertar:
1)- Como Recuperar a Auto-Estima Depois do Ranking do Financial Times, Edições Aguenta-te à bronca (e o livro vai para...);
2)- Pedimos Desculpa pelo Incómodo: a Democracia Segue Dentro de um Semestre, Editorial E esta, hein? (reflexões modernaças);
3)- Quero um Avião de Fumadores Só Para Mim , Edições Graças e Fumaças (biografias, parte II);
4)- Já Vi Beduínos na Margem Sul, Editorial Meca;
5)- A Arte da Guerra ou Como Combater os "Zecos" em Duas Penadas, Editora Dividir para Reinar;
6)- Osculando com Eficácia em Feiras e Arraiais, Colecção Bem-Estar.
(se o desafio for exagerado, prometo que me irei redimir num futuro mais ou menos próximo)
O SEXO DOS ANJOS
Na Assembleia da República querem fazer-nos crer que se discute o Orçamento para 2009. Governo e partidos perdem-se em jogos florais , saber se, no próximo ano, vamos entrar ,ou não, em recessão.
Foi assim em Bizâncio. Estavam os bárbaros às portas da cidade...
27 de novembro de 2008
magistral
Esta porta
Conduz a um primeiro andar cheio de tesouros. O que é e onde fica?
Não resisto a deixar ficar a senhora de rosa shocking.
Seios firmes e desenvolvidos
Quem não os deseja? Tal era possível mediante uma estampilha!
Notem a simplicidade do endereço. Avenida há só uma...
Em 1921, pois claro.
Ilustração Portugueza
Escritos de juventude
O Espirro
Ontem tive um dos ataques de espirros mais longos da minha vida. Absolutamente incontrolável. Faz-me lembrar de uma vez em que eu viajava num táxi e o taxista (penso que devia ser surdo), de cada vez que eu espirrava, dizia: "Como?..." O que vale é que eu não precisava de repetir - os espirros encarregavam-se de ir saindo. Quando muito, sempre que o homem dizia : "Como?...", eu tentava assegurar que o espirro seguinte saísse ainda mais alto. Abria mais a boca, para o som sair amplificado.
Mas o que me deu que pensar foi isto: caramba, o corpo humano é uma máquina tão admirável, tão bem concebida numa série de coisas... Porque é que o espirro existe? A explicação científica do espirro diz que ele é uma coisa boa, positiva, trata-se do organismo a encarregar-se de expulsar corpos estranhos e desagradáveis das nossas "ventas", do nosso sistema respiratório. Deus inventou [...] várias maneiras de expulsarmos coisas que não queremos dentro do nosso próprio corpo. Quando precisamos de as expulsar, mesmo que estejamos num jantar importante cheio de pessoas importantes, podemos sempre dizer: "Com licença, volto já." - e vamos calmamente à casa de banho e expulsamos o que temos para expulsar. [...]
Assim sendo, porque é que o espirro não funciona da mesma maneira? Porque é que, ao sentirmos a necessidade do espirro, o nosso corpo não nos dá tempo para que digamos à pessoa que está à nossa frente: "Só um momento, volto já", altura em que nos deslocaríamos para... salas de espirro. Sítios recatados para onde poderíamos ir espirrar, limpar o nariz, puxar o autoclismo e pronto!
Os espirros atacam de formas inesperadas e inconvenientes. Podemos estar, por exemplo, a tentar impressionar uma miúda, a usar o nosso tom de voz mais sexy - "Olá, jeitosa... como vai isso, hem?" - e tudo pode ser fatalmente interrompido por um espirro ou, pior ainda, por uma série deles. "Olá, jeitosa..." Tudo beeeAAAATSCHH!!! AAAATSCHH!!!". Haverá jeitosa que queira ter uma experiência romântica com um tipo que ali está à frente dela aos gritos, a desfazer-se em ranho e a ficar com os olhos inchados e todo vermelho?
Uma das coisas que invejo nas mulheres é o modo discreto como elas conseguem espirrar. As senhoras conseguem fazer do espirro uma coisa socialmente aceitável e que não interrompe jantares de nenhuma espécie. Elas fazem aquela coisa maravilhosa que é: o espirro vem a chegar e elas ... Aaaah...aaah...QUI." Deus equipou as mulheres com um silenciador. É como nas armas. Elas conseguem fazer "QUI" e assim detêm os espirros antes que eles rebentem. É incrível!!!
[...] Quando eu tentei seguir o maravilhoso método das senhoras para espirrar, ninguém me acusou de ser extremamente efeminado pela simples razão que ninguém percebeu que eu estava a espirrar. Eu pensava que era fácil fazer aquilo que elas fazem: apanhar o espirro quando ele está quase a sair... QUI. Não é assim tão fácil como isso. No meu caso, estava na casa de um colega meu quando decidi deter o espirro perto da saída. Para não espirrar alto. No fim de contas, em vez do discreto "QUI" de que as senhoras são capazes, o som que saiu foi pior do que se eu tivesse deixado o espirro sair livremente. A sensação que deu foi que eu tinha tido um breve momento de loucura. Os pais do meu colega estavam a perguntar-me como estava a correr a escola e eu respondo qualquer coisa do género "CJJJJJEE".
Odeio espirrar. Um dia isto ainda vai ser a minha desgraça.
Rui Dias, 16 anos (transcrito com supressões)
SÍTIOS POR ONDE ANDOU
Quando a Praça do Chile era um entreposto de rendição de condutores e cobradores da CARRIS. além de autocarros ainda circulavam eléctricos, “A Parreirinha do Chile”, esquina da António Pereira Carrilho com a Praça do Chile, estava permanentemente cheia desses trabalhadores. Aí se comiam das melhores bifanas de Lisboa. Também filetes de bacalhau, sandes de torresmos. As muitas e muitas vezes que ali alinhou de penalty tinto em riste. A pequena loja tinha pipos de vinho ao alto,vindo directamente do produtor. Não havia mesas. Tem a quase certeza de que aquelas frigideiras, onde se fritavam as bifanas, nunca foram lavadas, respeitando, aliás os mandamentos das tascas de galegos no que às iscas diz respeito.Ainda não existiam nem hamburguers de vegetais, nem quirches, nem toda essas comidas, que agora existem de fazer bem à saúde, mas já os amigos, elas principalmente, se arrepiavam só de imaginar vê-lo a comer bifanas, com aquela molhanga de banha, um toquezinho de pimentão, a escorrer-lhe pelos dedos.Tem este gosto por coisas a atirar assim para o não sabe bem o quê, quase sórdidas. E, nestas andanças pró esquisito, não está só.António Lobo Antunes, que tem dinheiro mais que suficiente para comer todos os dias no “Gambrinus”, com a voz azul do Nat “King” Cole a fazer-se ouvir como música de fundo, prefere, no entanto, um tasco onde lhe servem ovos estrelados com salsichas e a empregada faz a conta na toalha de papel. É ele que o conta no “Terceiro Livro de Crónicas”:“E às quintas-feiras almoço nos Moinhos da Funcheira com o Zé Ribeiro, o Zé Francisco, o Vitorino. Os Moinhos da Funcheira são o subúrbio do subúrbio, depois da Venda Nova, da Brandoa, da Pontinha: toda a gente acha feia e eu acho lindo.Quando digo que almoço às quintas-feiras nos Moinhos da Funcheira digo que a empregada nos trata por “Meus queridos”, nos traz salsichas com ovos estrelados e nos sentimos indecentemente felizes. Soma-nos a conta na toalha.”Como ele o compreende…Mas a Praça do Chile deixou de ser um entreposto de rendição de condutores da CARRIS. Na "Parreirinha do Chile" a freguesia começou a escassear. O proprietário deu uma limpeza à casa, deixou de ter pipos ao alto, as bifanas, talvez porque a frigideira passou a ser lavada, já não têm aquele sabor e cheiro antigos.Não mais lá entrou.
26 de novembro de 2008
ainda o mundo visto de fajão
A divina Callas
Em 1958 Callas desencadeava os maiores ódios, assim como as mais arrebatadas paixões. Mas a comparação entre estas duas personificações de Norma é de reter. O mundo da ópera começava a mudar.
Clicar na imagem para ampliar.
Retratos de autora ou confesso que vivi
Conhecia-a com respeitável idade, é pequenina, resistente, conversadora.
Uma energia invejável que poderia iluminar os vindouros.
Passou pela vida nos limites da resistência, vinda jovem de serras algarvias, ocupando quartos alugados de onde se mudava quando o dinheiro não chegava ao fim do mês.
No chapelaria onde trabalhava, na baixa lisboeta, levava diariamente merenda de linguiça e pão escuro, ração económica que lhe permitia a subsistência.
Ria e cantava, tendo como lema diário: "tristezas não pagam dívidas".
N'Gunza
Estafeta de profissão na grande cidade africana, a brancura do sorriso a sobressair de escura pele, idade indefinida. Na enorme empresa sorria diariamente, pequeno raio de sol entre computadores e maquinaria, tendo-me adoptado, em idade dos seus filhos mais velhos, como "tia Teté".
No dia em que parti, houve festa surpresa lá pelo departamento e não pude deixar de o convidar.Um dia, por modernices e conveniências climatéricas, quando o edifício foi pintado de uma brancura sem mácula, confidenciou-me: "tché, tia, prédio branco é hospital de malucos!"
Manuela
Pré-adolescente, vivendo na área rural da grande Lisboa, apresenta-se na escola sem vacinas actualizadas. Contactada a família formada por humildes trabalhadores criadores de gado, ouve-se a resposta convicta: "não vacinamos a nossa miúda porque o vizinho do lado chamou o veterinário para vacinar os animais e, passado pouco tempo, eles adoeceram."
(os nomes das personagens são fictícios)
Rua dos Cesteiros, Lisboa
Mor
Este antúrio? É lindo mor. Deus lhe dê saúde e tudo o que quiser, mor.
Eu "mor" vou embora, agarrada ao vaso e penso porque sou mor e a outra cliente senhora. Acho mal, em contrapartida gosto de Deus ir oferecer-me o que eu quero. Vou elaborar uma lista. O antúrio lá ficou em casa da Maria e pareceu-me feliz em ficar.
E é isto.
DIÁLOGOS DE FILMES
Como por aqui não se quer fazer crítica de cinema – era o que faltava! – apenas revelar diálogos, faça-se, para quem não viu, a sinopse do filme. “Esplendor na Relva” conta a história da auspiciosa relação amorosa entre dois jovens do interior do Texas mas que é brutalmente interrompida por acção dos pais. Ficam separados. Ele é enfiado numa universidade, ela tem que ir tratar-se para um manicómio. Há quem diga que a única coisa que dura, para além da vida e da morte, é o amor e que nada é eterno como o amor . Voltam a encontrar-se no final filme, não para um “happy-end”, mas para recordarem o esplendor na relva que os acompanhou na idade da inocência. Este é o diálogo do final do filme:
“Bud – Casei com a Angelina. Sabes que nem ao fim do 1º ano cheguei?
Deanie – Ela é muito simpática.
Bud – Foi maravilhosa quando as coisas se complicaram.
Deanie – És feliz, Bud?
Bud – Acho que sou. É pergunta que não costumo fazer a mim mesmo. E tu?
Deanie – Caso para o mês que vem com um rapaz de Cincinatti. Acho que ias gostar
dele.
Bud – A vida às vezes leva cada rumo, não é, Deanie?
Deanie – Lá isso!...
Bud – Espero que sejas muito feliz.
Deanie – Também eu não penso muito na felicidade. Como tu.
Bud – Para quê? Temos de aceitar a vida como ela é.
Deanie – Gostei muito de te ver.
Bud – Obrigada, Bud
Deanie – Adeus.”
Terminado o diálogo com Bud, Deanie encaminha-se para o carro onde a espera uma amiga, que lhe pergunta:
- Achas que ainda o amas?
Deanie não responde, há o desenho de um sorriso triste , crepuscular mesmo, um grande plano da sua lindissima face e começa a ouvir-se a sua voz em off lendo os versos do poema de William Worsworth “Intimation of Immortality”:
“Aquele brilho outrora tão resplandecente
Dos meus olhos se ausentou para sempre
E agora, apesar de perdido o esplendor na relva
E o tempo de glória em flor,
Em vez de chorarmos, buscaremos força
Bud é interpretado por Warren Beatty, no seu primeiro papel de uma excelente carreira como actor, mais tarde um muito interessante realizador, e Deanie por uma deslumbrante e inesquecível Natalie Wood.
No seu livro “Homem de Palavras”, Ruy Belo tem um poema justamente chamado "Esplendor na Relva" e até hoje não conseguiu que alguém lhe disesse se o poema é sobre o filme ou sobre Deanne Loomis, ou se, para irmos mais longe, sobre Natalie Wood.:
“Esplendor na Relva”
Eu sei que Deanie Loomis não existe
mas entre as mais essa mulher caminha
e a sua evolução segue uma linha
que à imaginação pura resiste
A vida passa e em passar consiste
e embora eu não tenha a que tinha
ao começar há pouco esta minha
evocação de Deanie quem desiste
na flor que dentro em breve há-de murchar?
(e aquele que no auge a não olhar
que saiba que passou e que jamais
lhe será dado ver o que ela era)
Mas em Deanie prossegue a primavera
e vejo que caminha entre as mais”
25 de novembro de 2008
o mundo visto de fajão
Memórias da cidade branca
Lisboa
Quando se canta o fado nas ruas lisboetas, nas tascas, nas velhas tabernas banais que fazem já parte da bebedeira...Ai... esta fragrância de cidade já tão eterna e antiga. Os marialvas perdidos de bêbedos, felizes e desgraçados, descendo as ruas do Bairro Alto. Que visão, que vida, que me traz o coração na boca!
As casas que se pintam nesta tela, simples, pintadas pelo mais magnífico artista. Por entre as flores que penetram as suas janelas ainda se ouve o coscuvilhar das velhas... Os teatros do Chiado que se enchem com fidalgos quando há ópera.
Quando se passa pelo Conservatório, na rua dos Caetanos, fazem-se ouvir os pianos, os violinos gritam e um canto impõe o seu timbre, ouve-se o ranger das tábuas do soalho deste edifício de música e cultura. E à noite, as luzes encandeiam os gatos que vadiam. Dançam eles, namorando o Tejo, esperam que não amanheça, doidos destas ruas, vivem ao sabor do álcool, do fado, da minha terra. Lisboa.
Aluna, 16 anos.
ALGUNS DIAS DO DIABO...
OLIVEIRA E COSTA, ex-presidente do BPN, encontra-se em prisão preventiva indiciado pela prática de seis crimes: burla qualificada, abuso de confiança agravado, fraude fiscal, infidelidade, aquisição ilícita de acções, falsificação e branqueamento de capitais.
ESTRANHA – mas isso ainda é possível no Portugal de hoje? – que, Manuel Dias Loureiro depois da entrevista à RTP, não tenha sido preso, não dirá logo à saída dos estúdios, mas pelo menos no dia seguinte
Dias Loureiro afirma que não participou nem teve conhecimento de irregularidades no BPN, que sempre confiou nas “boas intenções e na boa gestão de José Oliveira e Costa” e sobre desvios de milhões e operações obscuras, declarou: “Não acredito que ele tenha feito isso para benefício pessoal.”
SEGUNDO os jornais, Oliveira e Costa pouco tem a perder. Doente que está, divorciou-se da mulher, mas antes tratou de lhe deixar todos os bens. Calmamente fica a guardar que os seus advogados mexam os habituais cordelinhos para sair da prisão preventiva…,
O PRESIDENTE da República, Cavaco Silva, emitiu um comunicado onde condena as tentativas de associar o seu nome à situação do BPN.. O chefe de Estado assegura que não pode “tolerar a continuação de mentiras e insinuações visando pôr em causa o seu bom nome”, na sequência das ilegalidades financeiras que culminaram na detenção do ex-administrador Oliveira e Costa.
TROPEÇÂO numa fala do filme de João César Monteiro “Quem Espera por Sapatos de Defunto”: “Este país é um cu, um buraco de onde não se sai.”
A AUTOEUROPA já dispensou 220 trabalhadores contratados a agências de trabalho temporário. A crise que se abateu no sector automóvel também põe em risco mais 300 trabalhadores com contrato a prazo.
SEGUNDO Eurofound, fundação que estuda as condições de vida e de trabalho na Europa. O norte de Portugal surge como a região europeia em que, entre 2002 e 2007, à excepção de uma outra na Irlanda, mais impacto tiveram os despedimentos colectivos.
NOS ÚLTIMOS cinco anos houve um aumento de 9,1% no número de desempregados com formação superior. Segundo o índice de empregabilidade, há cursos em que mais de metade dos licenciados ainda não tem trabalho.
NUM DOCUMENTO o Banco de Portugal veio explicar que o aumento do desemprego de longa duração tem a sua explicação, no «generoso» subsídio de desemprego, no «conforto» que aquele propicia.
EM ENTREVISTA à CNN, Barack Obama garantiu que fechará o campo de concentração de Guantánamo.
SEGUNDO dados revelados pela Direcção-Geral das Pescas, um quilo de sardinha custa 0,69 euros à saída do barco e depois é vendida ao consumidor a 4,65 euros
MANUEL ANTÓNIO PINA em crónica no “Jornal de Notícias”: “A blogosfera, porque é múltipla, e livre (por enquanto…), e contraditória, é um lugar privilegiado para "ver" o que o discurso e o olhar raso dos media tradicionais ocultam. Ficar-se hoje, em termos de informação como de opinião, por jornais e telejornais constitui a pior forma de cegueira.”
“TANTO MAR”, canção de Chico Buarque de Holanda, na versão de 1978:
“Foi bonita a festa, pá
Fiquei contente
E ‘inda guardo, renitente
Um velho cravo para mim
Já murcharam tua festa, pá
Mas certamente
Esqueceram uma semente
Nalgum canto do jardim
Sei que há léguas a nos separar
Tanto mar, tanto mar
Sei também quanto é preciso, pá
Navegar, navegar
Canta a primavera, pá
Cá estou carente
Manda novamente
Algum cheirinho de alecrim.”
HOJE È 25 DE NOVEMBRO e faltam trinta dias para o Natal.
24 de novembro de 2008
a propósito dos sítios por onde ele andou
D. Veva ou o anónimo vencedor da morte
Compro este livro há umas duas semanas, porque nada sabia de Carlos Mayer, um dos vencidos da vida. Nem conhecia a D. Veva, sua filha. O livro é belo e cuidado, data de 1945. Dizem-me que a autora se tinha um elevado sentido estético, era pouco atenta à realidade. Mais me informam, que por dez euros fiz uma rica compra.
Estava a lê-lo ensonadamente, porque a D. Veva é prolixa e demora a chegar ao que interessa. De repente, quase Twilight Zone, ouço uma voz. Está ali outra pessoa. Que está profundamente irritado com a D. Veva. Ora vejamos.
Ok, está certo, a D. Veva distraíu-se. Mas quem não está distraído este anónimo anotador.
Um dos meus gostos pelos livros velhos é este amontoado de informação que não é suposto. Adoro livros anotados e vividos. Intriga-me quem seria este senhor. Não morria de amores pela D. Veva não.
E para o Manuel
A magia do Tide
Sítios por onde andou
O pretexto era a comemoração dos 40 anos do “White Álbum”, ou se preferirem o duplo “The Beatles”. Nunca entendeu muito bem o entusiasmo dos incondicionais dos Beatles para com este álbum. Terá de dizer agora que, fugindo um pouco, aos da sua geração, nunca Os Beatles o levaram ao entusiasmo. Para ele os Beatles são três bons álbuns, “Sgt. Pepper´s Lonely Hearts Club Band”, “Revolver”, “Abbey Road e mais uma dúzia de dispersas canções, nada que o leve a considerar-se um incondicional.
Mas qualquer pretexto é bom para estar com velhos amigos, tirar o pó à nostalgia. Sim velhos… não tanto muito velhos mas o suficiente para que se comece a ver que está a fazer-se tarde, assistir ao gesto de sacar dos óculos de ver ao perto para ler a ementa. O Gabriel Garcia Marquez diz que terceira idade é aquela em que a gente põe os óculos para ouvir o rádio. Mas até aqui, ainda, não se chegou, mas para lá se caminha.
O tropel dos dias que passam, o deixar de morar na cidade, leva a que, aos poucos, se vão perdendo os convívios, vão-se perdendo os contactos. Daí o arranjar estas datas redondas de acontecimentos para um encontro.
A comezaina foi marcada para um tasquinho, boa comida caseira, para os lados do Poço do Bispo. Um sábado de sol e calorzinho, de fazer inveja a qualquer Primavera que se preze e estamos tão só a caminho do Inverno. Há muito que não ia para aqueles lados, terras de operários, indústrias e comércios vários., armazéns de vinhos, mas já não se vêem nem as quintas nem as hortas. Sessões de domingo no velho “Cine-Pátria”, o subir da Azinhaga dos Alfinetes para ir ver o Glorioso ao Estádio Engº Carlos Salema, casa do Clube Oriental de Lisboa, o velho C.O.L.
Eis quando viu, junto a uma enorme ribanceira escarpada, no meio de vegetação e canaviais, um barco. O rio está perto, mas como raio o barco foi ali plantar-se no meio de um emaranhado de ruas. Roubado e abandonado? Apenas estacionado pelo dono que por perto deve morar? Não interessa assim tanto. Achou apenas graça ao barco dentro da cidade.
Como se esquecera de levar a máquina, pediu a fotografia emprestada ao “Ié-Ié”.
Para além do convívio, da beleza da tarde de sábado soalheiro, aquele barco marcará a memória do dia em que, uma série de guedelhudos grisalhos e outros já descapotáveis, comemoraram os quarenta anos do “White Álbum”.Em terra de operário, indústrias e comércios vários, o cheiro a maresia que vem lá do rio, a ideia roubada a Karl Valentin de que “antigamente o futuro era muito melhor” e este poema de Al Berto, “Incêndio”, de que se lembrou de repente, nem sabe bem porquê - e que interessa isso? – mas talvez por esse barco na cidade, barco que esqueceu o mar, ali no silêncio da tarde de um sábado.
”se conseguires entrar em casa e alguém estiver em fogo na tua cama
e a sombra duma cidade surgir na cera do soalho
e do tecto cair um chuva brilhante
continua e miudinha — não te assustes
são os teus antepassados que por um momento
se levantaram da inércia dos séculos e vêm
visitar-te
diz-lhes que vives junto ao mar onde
zarpam navios carregados com medos
do fim do mundo — diz-lhes que se consumiu
a morada de uma vida inteira e pede-lhes
para murmurarem uma última canção para os olhos
e adormece sem lágrimas — com eles no chão”
A Dentosan
A tinta raposa
A Tinta Raposa era a salvadora dos algodões desbotados. E não só, pelos vistos.
Ainda sobrevive nas boas drogarias. De bairro, evidentemente!
23 de novembro de 2008
Variedades
- E entre pedidos vários:
Usem por favor o Image Shack para alojar imagens. As instruções estão aqui.Não custa nada e evita que o blog fique pesado e difícil de abrir. - Alguém tem recebido spam a partir do Dias? Pergunto.
- O Filipe pediu para postar o seguinte, dado que por razões particulares não pode acessar temporariamente: A pensar nos professores, deixo aqui uma gracinha:- Porque é que o livro de matemática está triste?- Porque tem muitos problemas.
Entre amigos - exposição
Visitei ontem esta exposição, recomendando-a vivamente a quem, no próximo fim-de-semana prolongado, decida fazer um passeio até à bonita vila de Sintra.
Entre Amigos
painéis em cerâmica - salomé atanásio
Cerâmica
Encontro da terra com a água, com o ar, com o fogo.
Palavras escritas
Encontro
de ideias,
histórias,
pensamentos,
sentimentos.
Amigos
Encontros de vida
Encontro de vidas
23,30 de Novembro e 1 de Dezembro (11-19h)
Rua Câmara Pestana- nº 29A
Sintra
(em frente ao Centro Olga Cadaval)
EVITANDO A AMNÉSIA
Segue uma das perguntas feitas pelos jovens jornalistas, bem como a respectiva resposta:
Jornalista- concorda com a expressão "geração rasca"?
Rui Veloso - a expressão poderá ser válida, caso se aplique não à vossa geração, mas àquela que não lhe soube dar directrizes.
Ainda sobre a comunicação da líder do partido laranja, não deixei de esboçar um sorriso lacónico quando hoje finalmente tive tempo de olhar para a revista que acompanha o semanário Sol.
A páginas 56, é feita uma apreciação comparativa de acontecimentos ocorridos na década de 90 e nos nossos dias relativamente a políticas da responsabilidade de duas ministras da educação: Manuela Ferreira Leite e Maria de Lurdes Rodrigues remetendo, o texto, para as manifestações estudantis ocorridas em ambos os mandatos: Pode ler-se na tabu desta semana quando se faz referência ao ano de 1993: «A 4 de Maio, os estudantes universitários manifestaram-se em frente ao Ministério da Educação, em Lisboa, e a Polícia voltou a dispersá-los.
Para o dia seguinte estava marcado um novo protesto dos alunos […]”. Eram milhares e gritavam contra tudo: as avaliações globais, as propinas, os apoios sociais e o mais que se lembrassem.[…] No auge da manifestação os estudantes ergueram acima dos ombros um dos colegas, que mais uma vez mostrou o repúdio pelas políticas ministeriais baixando as calças e alçando o traseiro para a frontaria do Parlamento. Teria sido apenas mais um episódio não fossem os jornais ter publicado a fotografia nas primeiras páginas e Vicente Jorge Silva, à época director do Público, ter escrito o editorial sob o título Geração Rasca, que fez história.»
COMEÇOS DE LIVROS
Começo de” Último Correio Antes da Noite”” de Serge Reggiani:
“Há seres tão próximos que não imaginamos escrever-lhes, como se as cartas estivessem reservadas para os ausentes. Não nos passa pela cabeça dizer-lhes quanto os admiramos ou quanto os amamos. Um dia, é demasiado tarde.
Toda a minha vida me cruzei com artistas de excepção. Toda a minha vida me rodeei de seres queridos. Os primeiros desapareceram quase todos, alguns dos segundos afastaram-se. Quis escrever a esses fantasmas e a essas sombras uma última palavra em jeito de post-scriptum a uma amizade, a uma paternidade, a uma admiração, a um amor…
Hoje, volto a pegar na caneta. Ponho o meu correio em dia. Eu sei: os meus correspondentes já não moram no endereço indicado. Muitos vivem agora naquela aldeia onde nada acontece. Pouco importa. Eu escrevo-lhes, e, se repente eles pudessem ler este correio, quero acreditar que se reconheceriam, que me reconheceriam.”
22 de novembro de 2008
PROVÉRBIOS PÓS-MODERNAÇOS DA ERA NEOLIBERAL
Os tradicionais dizeres populares encontram-se a verde e a proposta actual de tradução a vermelho (as desculpas aos daltónicos que tiverem a paciência de seguir as sugestões desta simples escriba e de chegar ao fim deste post com direito a serem galardoados com o "Nobel da pachorra"):
À chuva de S. João, bebe o vinho e come o pão.
À chuva de S. João, o alho porro não provoca a mesma contusão. (para os tripeiros, dado que a água pluvial amortece…)
A culpa morreu solteira.
A culpa não se finou, pois a justiça emigrou. (provérbio da pós-modernidade nacional, aplicável a “apitos dourados”, “miúdos mal-tratados”, “autarcas bolsa-azulados” e contribuintes defraudados)
A preguiça é a mãe de todos os vícios.
Lagartar é o que está a dar! (como são precisos os fins-de-semana!)
Até ao Natal, um saltinho de pardal.
Até ao Natal, não te endivides no centro comercial. (esta é por demais evidente)
Barco parado não faz viagem.
Barco parado, greve na Transtejo. (para quem mora no deserto “jamé”)
Contra a força não há resistência.
Contra a força aponte-se a prepotência. (parece ser do senso comum, não? também será uma questão geracional dos "filhos de Abril"...)
Depois de casa roubada trancas à porta.
Depois de casa roubada, assistência técnica da Securitas contactada.(socorro!)
Dinheiro não traz felicidade.
Dinheiro no BPN não traz tranquilidade.(" palissada "ou verdade de La Palisse)
Escuta 100 vezes e fala uma só.
Escuta 100 vezes e fala 100.000, para no call center não esticares o pernil.(infelizmente para os jovens licenciados)
É mentira. Antigamente era pior, muitíssimo pior. Tudo era pior. Tudo, repito. Desafio alguém a mostrar-me um exemplo que seja de que, nesse antigamente arcadiano as coisas eram melhor. Não eram. Nós é que temos dificuldade em nos adaptarmos à evolução da espécie humana, feita de avanços e recuos, claro, mas tendencialmente avançando.
Basta ler um pouco de história, e nem sequer é preciso ir muito longe. Morria-se mais, vivia-se menos, tinha-se tudo menos, e por aí fora. O mundo era uma esterqueira incomparavelmente mais miserável que a esterqueira que continua a ser. Sempre se idealizaram "tempos antigos" em que as coisas eram melhores, que nisso não mudámos mesmo - basta lembrar as gravuras setecentistas, a ópera barroca (cantada na penumbra com a malta a catar os piolhos, os fungos e a sífilis) os banquetes reais do século XIX (com a malta a morrer de tifóide ou cólera a seguir) e por aí adiante.
Salazar sabia bem como fazer render esta nostalgia, com as suas imagens da casinha portuguesa a que o trabalhador, com o suor do rosto, regressava ao fim do dia, encontrando a mulher a fazer o jantar, a filha a brincar com bonecas ou a fazer lavores e o filho a estudar as letras, que isto de ler era coisa de homens. Tal como, aliás, as livrarias de bairro que me recordo de frequentar: aquilo era só homens, que as senhoras trabalhavam, quando muito, ao balcão das papelarias, trabalho honesto para mulheres honradas.
A Byblos morreu. Tenho, sinceramente, pena. Espero que montem coisa melhor, mais moderna, com mais tecnologia, mais avançada ainda, onde eu possa chegar facilmente. Até lá vivam a internet e a FNAC e a Amazon, que me permitem proezas intelectuais impensáveis há vinte e cinco anos, quando passava tardes inteiras encafuado em bibliotecas a lamber papel, uma ou duas semanas por vezes para dali extrair dez linhas de informação útil.
O problema das nossas referências do antigamente é que não têm o cheiro a merda e a morte que é face incontornável da espécie humana. Como alguém dizia, a guerra só tem música nos filmes. E o passado que idealizamos é acompanhado da música que, nesses tempos, quase ninguém ouviu - mas ouvimo-la nós, hoje.
Abençoado presente, que é nele que me encontro vivo. Tudo o resto é nostalgia romântica, boa para noites de fado e becos sem saída.
O NOVO-RIQUISMO NO NEGÓCIO DAS LIVRARIAS
A “Byblos”, a maior livraria do país, um espaço de 3.500 metros quadrados, tecnologias avançadíssimas, fechou as suas portas. Fazia no próximo dia 19 de Dezembro um ano que as abrira.
O fecho de uma livraria é sempre um acontecimento triste, tão triste como não haver Natal. Contudo o fechar de portas da “Byblos” sempre foi, desde o princípio, um cenário previsível. Classificado como um “projecto que raia a ficção cientifica”, no então dizer dos seus responsáveis, acabou por sucumbir encharcado numa megalomania saloia, de quem pensa que vender livros, é como vender carros Ferrari ou coisa assim parecida
Um país iletrado, um povo que prefere ver televisão a ler livros, poderia, alguma vez, suportar um projecto como a “Byblos”?
Obviamente que não e não é necessário possuir um qualquer mestrado de gestão para se chegar a uma conclusão destas. Foram investidos quatro milhões de euros e agora o seu proprietário diz: “um sonho que se tornou um pesadelo”
Mas que se poderia esperar de gente que foi sistematicamente adiando a abertura da livraria, até que fosse encontrado um buraco na agenda da então Ministra da Cultura?
Quando a pompa e a circunstância são colocadas à frente do respeito a ter pelos leitores e futuros clientes, estamos perante gente que desconhece por completo o mercado, que estavam a prometer coisas que sabiam que não iam cumprir. Ora, para isso já nos basta os governantes que vamos tendo.
Não estivessem em causa os postos de trabalho de algumas dezenas de pessoas, as dívidas a diversos fornecedores, onde se contam os editores, e neste número estão pequeníssimas editoras que podem ter em risco a sua sobrevivência, poderíamos dizer: “que se danem o dinheiro é deles!"... Mas não! A realidade, mostra que, uma vez mais, são sempre os mesmos a pagar a factura.
São assim os gestores e empresários portugueses, ligeiros no dizer que a não produtividade, o descalabro dos negócios, é, única e exclusivamente culpa dos trabalhadores, nunca deles!...
Esta gente devia ser toda presa!
Num cenário completamente diferente, Jorge Silva Melo, numa antiga crónica que titulou “Já Fechou a Livraria”, contava que uma pequena livraria abrira em Campo de Ourique, “livraria pequena, não especializada. Livraria de bairro como eu queria que as houvesse em todos”, mas que não chegou a estar aberta um ano. E interrogava-se “Por que não fui lá procurar e encomendar os contos de Edith Wharton que acabei por comprar na FNAC. Por que não fui interlocutor solidário daquela senhora que efectivamente ousou e foi vencida? Por que hei-de perdoar-me a mim? Não foi isso mesmo que eu disse àquela pequena livraria? Que não a queria? Que não me servia para nada? Que lhe prefiro a Internet e as fnacs?”
E a crónica terminava:
“Se a pequena livraria fechou, fui também eu que a fechei”.
Quando leu a crónica, lembrou-se de uma frase de Orson Welles em que ele dizia que neste tempo demoníaco das grandes superfícies, ainda havemos um dia de ter saudades do merceeiro da nossa rua. Lembrou-se também de um filme de Nora Ephron, com a Meg Ryan e o Tom Hanks, “You Got a Mail”, em que uma pequena livraria, com diversas iniciativas, onde havia competência e amor pelos livros, foi devorada por uma grande superfície, construída ao lado, também com uma livraria, mas onde a frieza, a ignorância e a incompetência faziam regra.
Por ele prefere o comércio de aproximação, o chamado comércio tradicional, comércio de bairro.O resto... são byblos!
21 de novembro de 2008
O pó branco
Em 1920 este era um dos pós brancos que se contrabandeava para fora de Lisboa. Notai a diligência dos empregados de subsistências. O desenho de Rocha Vieira denuncia bem as criminosas!
20 de novembro de 2008
SÍTIOS POR ONDE ELE ANDOU
Esteve tentado a entrar para comprar café para poder olhar o papel de embrulho de que, em conversa com a T. falava Politikos mas resolveu deixar para ela o prazer de ir lá comprar café e ver a embalagem Em casa tirará uma fotografia e, de imediato, A T. a irá partilhar com todos nós
. Ainda está com o 89 como número de porta..
Chegado aqui lembra-se que havia um trajecto que, sempre que possível, gostava de fazer todos os fins de tarde dos dias compridos: apanhar o eléctrico no Largo da Misericórdia, ocupar o lugar ao lado esquerdo do condutor e descer até ao Cais do Sodré, a olhar aquele pedaço de rio entalado entre os prédios, a outra margem ao fundo, as cores douradas dos findar de tarde.
Agora já não há eléctricos a subir e a descer a Rua do Alecrim. Há-de voltar a esta história…
O stick
Não é líquido, não é creme, não é pó.
É um stick desodorizante e a frescura de longa duração. .
A marca? Talvez o dançarino Carlos a conheça.
A solarina
Paninho na mão a espalhar solarina nos metais, esfregar com papel de jornal até reluzirem como o sol. Estava feito o negócio. Ganhava 2$50 o que convertia em cromos ou bonecas de papel. Que querem, sempre fui colectora. Ainda hoje prezo o cheiro da solarina.
Arroios
As farmácias por aqui andam cheias. Logo de manhã os velhinhos afluem com ar stressado e cheios de maleitas. Espirram e tossem, medem a tensão e reclamam das extensas receitas médicas.
Estou a ser atendida e, uma grandalhona loira, atira com uma mala de verniz vermelho para cima do balcão mesmo ao meu lado. A simpática farmacêutica que estava a munir-me de bens essenciais ergue os olhos enfáticos, mas nada. Foi preciso a intervenção de outro colega, que pôs a senhora na ordem educada mas firmemente. Estava à procura do telelé diz a senhora, nada incomodada. O Jacinto podia estar a ligar.
Como seria o tal de Jacinto, foi assunto que me pôs a pensar. E logo vejo chegar um enfezado homem com pinta de gabiru, que com ar de proprietário se aproximou da despachada loiraça. Era o Jacinto, só podia. Entretanto saía eu, que estou sempre a sair antes das histórias acabarem. Mas tenho a ideia de os conhecer de vista. Sempre muito conversadores. Acho que até costumam ir ao restaurante do senhor. Um dia sei o resto. De certezinha.
Gosto por reclames
Quem não adora anúncios de frigoríficos?
Toca a comprar, os estabelecimentos Sida é que estão a dar.
Minha senhora
O seu marido dorme mal, não repousa?
A casa Quintão era criativa. Afinal ninguém quer um homem de mau parecer..
Tocados pela magia
Há momentos assim em que o tempo parece parar e quase que são atiradas para o balde de reciclagem muitas das questões pragmáticas do nosso quotidiano.
Há momentos assim, tempos breves a ganhar uma dimensão intemporal, trazendo-nos um sorriso que acaba por contagiar sem que os outros se apercebam conscientemente do processo.
Há momentos assim em que, após o “chamamento à Terra” e já de volta às exigências rotineiras, parecemos renovados e aptos a cumprir, sem esforço, tarefas nem sempre interessantes.
Há momentos assim: estação de metro, fim de tarde de Novembro, os passageiros saem apressados dirigindo-se às diferentes saídas.
Há momentos assim: num recanto um pouco mais espaçoso da estação, um trio de cordas, sopro e vocalista são os mágicos responsáveis pela mudança dos que saíram do comboio.
Há momentos de bossa/jazz numa acústica extraordinária proporcionada por estes locais.
Há momentos em que tudo pára: jovens mães com crianças calmamente a ouvir, sentados no chão, pessoas de várias idades e culturas ligadas por uma linguagem universal – a música.
Há momentos assim: Samba de uma Nota Só em registo “jazzístico” – silêncio ...aplausos...
Há momentos assim: o trio sorri sempre e sai música com a mesma naturalidade com que todos respiramos, suspensos, seguindo-se I’ve got you under my skin.
Há momentos assim que, tendo deixado para trás um pequeno compromisso a realizar me decidi a ficar por ali, sem que depois o fascínio e a calma me tivessem trazido à memória o simples poema de Miguel Torga:
A cena é muda e breve.
Num lameiro
Um cordeiro
A pastar ao de leve.
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Embevecida,
A mãe ovelha deixa de remoer
E a vida
Pára também, a ver.
Há momentos assim: metro do Campo Grande, 19 de Novembro, 17.45.