Que dia é hoje?
A pergunta tornou-se usual, frequente, persistente, insistente, nesses dias de pandemia. É como se tivéssemos perdido a noção do tempo. E acho mesmo que perdemos. Em tempo de pandemia, vamos descobrindo como é viver o comedimento. Sobreviver com o pouco, reconhecer e respeitar os limites.
No caso do tempo, tenho a sensação de que abrimos mão, sem querer, do calendário. Tornou-se obsoleto. Ou, adotamos por descuido, quem sabe, necessidade, uma versão mais simplificada. Meu tempo agora, por exemplo, cabe muito bem em três estágios: um ontem, um hoje e um amanhã. Agradeço e dispenso o excesso. Me encaixo ao resumo. Um tempo desmedido, sob medida.
Está mais curta a respiração (mais anchos só mesmo os suspiros). Estão mais curtos os passos. Os gestos, menos efusivos do que foram a vida inteira. Acabrunhamos. Nos reservamos a distância medida. Nos abraçamos com olhares. Nossos olhos por trás das máscaras resguardam sorrisos e choros. Por vezes, entristecemos; por vezes, emocionamos.
Volta e meia me assalta a pergunta: Que dia é hoje? E meu pensamento voa.
Podia ser um dia qualquer. Com o sol brilhando lá fora. Com pássaros invadindo a manhã. Com as ruas cheias. Enxames de gentes e carros. Alguém tomando decisões. A vida virando do avesso. Um dia com flores no jardim, água corrente, balão solto no ar, velas ao vento e bicicletas na ladeira. Um dia qualquer. Um domingo qualquer.
Sem resposta imediata, abro a caixa de mensagens. Brilha um sinal. Tem nova. Roberto Além Rojo, meu compadre, cineasta boliviano, que foi pego de surpresa pela pandemia e está retido temporariamente no coração da África, me manda poesia em forma de imagem.
Mal sabe ele, com uma possibilidade real de resposta à minha pergunta: que dia é hoje?
Na imagem que recebo, homens expostos ao mar azul do Pacífico, ocupam um barco onde se lê a resposta que peço, quase em oração: "Deus é que sabe".
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Foto: Roberto Além Rojo |