ao ler o blog do pinto de sá tive uma espécie de não sei o quê, que é melhor não dizer.
fala do seu passado conspirativo com os nomes reais das pessoas, publicas e não públicas, quer queiram que os seus nomes sejam publicados ou não relativamente a coisas que fizeram sem que quisessem que fossem conhecidas.
de repente comecei a ver falar de amigos que fizeram a instrução primária comigo, companheiros de discussões no muro dos 4 caminhos, no mina velha, no minabela.
ali estavam eles e as suas casas no bairro económico a vir ao público.
e lá estava o proença.
o zé manel (o proença) foi meu companheiro 4 anos na primária. fazia parte do grupo do bairro: o paulo, o beato, o mendes, o zé manel, o alexandre...
sempre foi um aluno brilhante.
aluno da primeira fila.
a professora sempre ordenou os alunos em função das suas classificações nas 'provas', para que houvesse uma espécie de competição permanente entre todos que começou no primeiro dias de aulas: alunos que já sabem ler para um lado, os que não sabem para o outro.
grandes futeboladas no terreiro das traseiras da escola, frente ao quartel. e na praça central do bairro.
quando acabámos a primária separamo-nos. eu fui trabalhar, ele continuou a estudar. raramente nos víamos. pelos nossos 18 anos voltamos a cruzar caminhos.
nos 4 caminhos que eram o centro do mundo de queluz.
uma passagem dele pelo coro de queluz voltou a cruzar-nos os caminhos que a partir daí sempre se voltaria a repetir com mais ou menos frequência. em queluz ou nos fins de semana no lizandro.
depois vieram os tempos dele do técnico, a sua ligação aos movimentos estudantis (onde se juntou ao irmão mais velho do paulo, nosso colega de primária... e ao pinto de sá).
sempre andámos por zonas divergentes. sempre fomos discutindo. os dois empenhados em mudar o mundo (os tansos. como diria agora o pinto de sá... ) por caminhos diferentes. mas sempre amigos.
pelos idos de 73 o bairro levou uma razia e uma boa parte dos meus amigos de lá foram presos.
sempre se disse quem foi o culpado de tal razia.
não posso nem quero garantir, mas também tenho as minhas razões para achar quem falou mais do que devia.
há poucos anos voltei a encontrar o paulo num restaurante de algés.
falámos horas sobre os anos que não nos víamos. e falava-me ele do zé-manel:
- tens visto o zé manel proença? está um trapo.
problemas familiares, laborais, bebida... tudo numa amálgama que tinham transformado completamente um homem brilhante. passado pouco tempo, ao beber um café na área de serviço da bp em massamá, aparece-me o zé manel ao lado.
barba de muitos dias por fazer, casaco de cabedal a pedir caixote do lixo. uma sombra triste do amigo que sempre conheci.
perguntei-lhe se estava tudo bem. dizia que sim com ar de dizer que não e de quem não se sentia bem ali.
saiu e nunca mais o vi.
ler sobre o proença nos escritos do pinto de sá, fizeram voltar as duas imagens do zé manel:
a do brilho e a da sombra.