17 de dezembro de 2011

Cesária em hora di bai

Cabo Verde tem sido, por motivos a despropósito,  viagem adiada. Vogamos, muitas vezes, através de vozes que nos despertam pela saudável diferença. A lembrar livros que, no passado (em fastidiosas aulas de teoria musical), ensinavam ser a voz humana o mais fascinante instrumento, deambula-se por cantos de interioridade. Cesária faz desfilar no imaginário o azul marítimo da sua terra, a vida pobre e simples, o despojamento, um diferente luar. Quando encontramos uma irrepreensível afinação de  vozes treinadas e que nada «sentem», torna-se fácil relegá-las ao esquecimento. Trazendo a entoação a bater bem junto ao coração da terra, far-nos-á sempre viajar ao imaginário de Cabo Verde, vendo o milho (para a cachupa) a sobreviver à escassez da água que não cai do céu e crianças a correr, descalças, em infidáveis praias, a devolver-nos a paisagem e a musicalidade da sua língua crioula.

Lua nha testemunha

«Nha Venância, bô crê ouvi um poeminha?»
«Mas poema direito, bô ouvi?», e riu agradada como ainda não tinha rido naquele dia.
Caminho longe…
Caminho obrigado
caminho trilhado
nos traços da fome
caminho sem nome
caminho de mar
um violão a chorar
Caminho traidor
«Caminho traidor, sim senhor. Gente espera uma coisa e São Tomé dá outra. Ou não. Traidor porque rouba filho da nossa terra. Isso mesmo, moço.» (…)

Manuel Ferreira, Hora di Bai

4 comentários:

Fernando Manuel de Almeida Pereira disse...

Bom recordar Manuel Ferreira...Obrigado Teresa por mais este bonito texto.

teresa disse...

Um privilégio, ter sido aluna deste cabo-verdiano de coração que tanto me incentivou ao meu périplo africano:)

Miguel Gil disse...

Vai persistir, para sempre, a sua sonoridade quente, doce e verdadeira

Anónimo disse...

Morreu uma grande senhora!