Luandino Vieira nasceu a 4/5/1935
[…] Sentem perto do fogo da fogueira ou na mesa de tábua de caixote, em frente do candeeiro; deixem cair a cabeça no balcão da quitanda, cheia do peso do vinho ou encham o peito de sal do mar que vem no vento; pensem só uma vez, um momento, um pequeno bocado, no cajueiro. Então, em vez de continuar descer no caminho da raiz à procura do princípio, deixem o pensamento correr no fim, no fruto, que é outro princípio e vão dar encontro aí com a castanha, ela já rasgou a pele seca e escura e as metades verdes abrem como um feijão e um pequeno pau está nascer debaixo da terra com beijos da chuva. O fio da vida não foi partido.
Luuanda, “Estória do ladrão e do papagaio”
(parábola do cajueiro)
Lembro
Luuanda, um livro de contos que, entre os exemplares das estantes da sala repousava, discretamente arrumado, numa época em que era proibida a leitura de obras a pôr em causa a guerra e o regime (podes ler o livro, mas cá em casa, não no comboio).
Ainda no início da adolescência, fiquei fascinada com a criatividade dos contos, do brilho de uma língua portuguesa “não desbotada por racionalidades ou lixívia”, expressão mais tarde utilizada por Mia Couto.
O tempo passou e, quase duas décadas depois, a dar aulas em Angola, descobri que Luandino era meu vizinho, a época era de dureza, nesses anos 80 do passado século. Verifiquei então que, quase diariamente, nos cruzávamos de carro, eu seria a condutora anónima, ele, o escritor descoberto na juventude, cuja produção literária foi ,em grande parte, criada no campo de concentração do Tarrafal, onde permaneceu durante 11 anos.
Muito inovadores serão outros escritores em língua portuguesa. No tocante a literaturas africanas, a matriz da inovação linguística pertence a este homem simples, lutador e avesso a protagonismos.
Imagens: retiradas do mural “De Luuanda a Luandino: veredas”, colóquio realizado na Faculdade de Letras do Porto, nos dias 10 e 11 de novembro de 2014, para comemorar os 50 anos da publicação de
Luuanda.
2 comentários:
Sempre a lê-la com a maior atenção. Enviei ao Luandino este post pelo filho porque o Zé abomina net.
Beijinho
Fernando Pereira
Obrigada, Fernando Pereira. Depois de Moçâmedes, vivi na António Barroso, em Luanda, muito me cruzei com ele.
Beijinho.
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