10 de maio de 2012

e atravessou a rua com seu passo tímido

todos os dias, de sorriso nos lábios e uma permanente boa disposição, varria as ruas aqui em volta.
uma boa disposição contagiante de jovem contente com o seu dia.
estranhamente não reparamos em quem nos varre as ruas.
o seu sorriso enquanto trauteava umas canções e varria as ruas fazia com que reparassem nele.
ontem, varria o enorme pátio com a boa disposição de sempre.
de repente, como se tivesse sido desligado, caiu.

a longa espera pelos bombeiros
a longuíssima espera pelo inem

ao fim do dia, no local onde viu pela última vez o sol de sintra, continuava arrumada a vassoura e a pá, ainda com lixo, como se estivessem à sua espera para continuar o trabalho.
ele não voltará mais a elas
nem à rua, nem ao sol, nem à vida





















e se acabou no chão feito um pacote flácido 
agonizou no meio do passeio público 


6 comentários:

T disse...

Há pessoas que desaparecem e nos deixam assim este sentimento. Um beijinho, Carlos.

carlos disse...

não o conhecia, apenas o via aqui pela estefânia a varrer a rua

Maranhão Viegas disse...

Caros Carlos e Tereza. A vida invade a arte, uma vez mais. E o texto do Carlos, relatando a passagem de alguém cotidiano, de alguém alegre e quase imperceptivel é magistral.

Sem querer, ou, querendo mesmo, o texto estende uma ponte invisível e emocional, que nos une (portugueses e brasileiros) através da poesia viva e da canção de Chico Buarque. A frase com que Carlos encerra o post pertence à música de Chico que se chama Construção.

E assim, traduzindo o cotidiano, com olhares tristes ou felizes, seguimos. Decifrando a vida. Decompondo a tristeza e construindo a esperança.

Um abraço. Parabéns pelo texto.

carlos disse...

a frase com que acaba, e o título também é do mesmo poema/canção do chico.
uma enorme canção

e obrigado por nos visitares aqui.

Porto Santo disse...

Uma morte anónima...uma vida que nos invade o quotidiano, uma morte que nos faz ver que vale pena viver, não a menosprezemos...lutemos por ela.

Um bom texto, singular, ele que partiu merece com certeza.

Luísa disse...

Eu por acaso reparo nos varredores de rua, porque sempre pensei sê-lo durante um tempo por causa desse anonimato (acabei por experimentar algo semelhante quando limpava no aeroporto de Zurique), pode ser algo realmente interessante!!!

E também compreendo este sentimento. São aquelas pessoas que estão sempre lá, que parece que não vão desaparecer nunca e depois... fica uma espécie de vazio estranho na nossa vida quotidiana.