1 de janeiro de 2010
A CRIAÇÃO DO MUNDO
“Olhou as mãos em concha e viu arredondar-se
um sonho dentro delas – um mundo
que ninguém podia adivinhar, pois dele
fariam também parte os magos e os profetas.
Abriu-as devagar e deixou cair as trevas como sementes,
para que então servissem unicamente de sombras
e prolongassem a memória das coisas por vir. Foi assim
que inventou a luz e separou um dia do seguinte.
Depois afastou o céu daquilo que viria a ser o mar,
como quem divide um lenço azul em dois e limpa
as lágrimas apenas a metade. No meio, deixou que
crescesse tudo quanto do chão quisesse escapar-se
para traçar a primeira geografia dos caminhos. E assim
descobriu a cor e encheu a sua paleta de animais
que rasgariam os céus, cruzariam os oceanos e
resolveriam as entranhas da terra na estação
das chuvas. Por fim, semeou pequenas clareiras
nas florestas, pedras nas vertentes das cordilheiras,
cristais de neve no contorno dos lagos, estrelas cadentes
na vizinhança do desespero e rios serpenteantes
entre as searas louras, mordidas por um sol que lhe caiu
quase sem querer dos dedos, mas lhes aproveitou o calor
E, apesar da alegria que experimentou, sentiu que o seu
mundo era tão frágil que, se desviasse os olhos, tudo acabaria
por regressar ao pó, às trevas e ao verbo. Só por isso criou alguém
que também o visse e lhe dissesse todos os dias como era belo.”
Maria do Rosário Pedreira em “O Canto do Vento nos Ciprestes”
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3 comentários:
Temos aqui cosmogonia 'aplicada' no sentido puro!
Começamos o ano c/a Génese, e muito bem pela mão da Poeta Rosário Pedreira.
O 'Grande Arquitecto'- suponho bem retratado na figura de girassol nas mãos -, após ter concluído a Obra do Mundo, confrontou-se c/o prelúdio da necessidade do "Outro"!
Não vivemos sozinhos, e esse é o sentido da vida!... assim, criou o Homem (à sua imagem) para não estar só, e ter alguém que o contemplasse.
Talvez a mensagem resida aqui: o 'Outro' é fundamental e não há ninguém que não deseje ser amado!
E a Poeta tudo isso nos diz na sua Obra, de forma sentida, romântica e realista.
Foi muito bom o Gin-tonic tê-la trazido aqui e agora, porque é uma referência indispensável na poesia sã, e também porque ela, faz, por vezes, ausências prolongadas!
Por ela, por mim e por todos...
muito obrigado.
Um abraço
César Ramos
Numa entrevista Luis Sepulveda disse: “A vida em sociedade torna-se estranha quando nos aproximamos dos 60 anos; eu falo de livros que os outros não leram e os outros falam de livros que eu não tenho nenhuma vontade de ler.”
Concordou plenamente. Mas um dia surge a tal excepção. Em conversa com um jovem, este fala-lhe da poesia da Maria do Rosário Pedreira. Ele desconhece completamente. “Pois não sabe o que está a perder!”, atirou-lhe o jovem.
Maria do Rosário Pedreira é uma descoberta tardia. Uma maravilhosa descoberta.
“São assim as mais pequenas histórias do mundo”, tal como ela diz num dos seus poemas.
(...)
Acho que, Maria do Rosário Pedreira deveria gostar de saber que alguém lhe escreveu uma dedicatória assim! (...)
César ramos
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