29 de dezembro de 2008

NATAL 71

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Guerra Colonial:
- 800 mil jovens foram mobilizados para Angola, Guiné e Moçambique- 11 mil mortos- 40 mil estropiados e deficientes- 140 mil antigos combatentes sofrem de “stress” de guerra.Sabemos destes números – serão mais? Serão menos?Mas como diz João Paulo Guerra no seu livro “Memórias da Guerra Colonial, “não há estatísticas para a solidão, a ansiedade, o medo, o sofrimento, a dor.”Há feridas que custam a cicatrizar mas não é o silêncio o melhor remédio.Uma guerra sem sentido, estúpida e inútil.Adeus até ao meu regresso.Lembram-se?No Natal de 1971 o “Movimento Nacional Feminino” editou um disco que foi distribuído pelos soldados que combatiam em África onde, possivelmente, não existiam gira-discos e em alguns locais nem electricidade havia.Na contracapa do disco fala-se das muitas vontades que permitiram que ele fosse feito.O disco compõe-se de mensagens patrióticas de um leque de personagens onde, entre outros, aparecem Hermínia Silva, Eusébio, Parodiantes de Lisboa, Inspector Varatojo, Joaquim Agostinho, Amália Rodrigues, Maria de Lurdes Modesto, Florbela Queiroz.Vai o disco a meio e ouve-se:“Sou a Cilinha.(1) Cabem-me as missões mais gratas neste LP de carinho. Antes de mais a de representar as vossas famílias. É com toda a alegria que o faço. Em nome delas: “Olá rapazes! Santo Natal”O disco termina assim:“A fechar este disco a presença dum soldado que é vosso chefe e irmão: o General Sá Viana Rebelo.” (2)“Destinam-se estas palavras a figurar no disco do simpático Movimento Nacional Feminino para lembrança individual no Natal de 1971 dos militares do Exército, Marinha e Força Aérea. Tais palavras serão uma mensagem de esperança e de paz (…) vejamos um dia recompensados os nossos esforços para que a paz volte à terra portuguesa. (…) Mais um ano em que há afastamento de militares das suas famílias (…) Quantos Natais muitos dos nossos militares passaram já afastados das famílias? (…) Mas é sacrifício de que os nossos filhos e netos irão mais tarde beneficiar. Nada daquilo que se faz em África se irá perder. Tudo durará. Haja o ânimo de defender o que é nosso e Portugal continuará na terra africana a celebrar na nossa África os Natais de Cristo como agora. E mais tarde de regresso aos lares ao ouvirem este disco estou certo de que muitos, todos, dirão: custou-me bastante mas valeu a pena!”Foi doloroso reouvir este disco. Ridículo, trágico, ou ambas as coisas. O que nele se diz é tão lamentável, tão chocante, de uma hipocrisia miserávell, que qualquer tipo de comentário é desnecessário. (3). Como foi possível dizerem-se estas coisas? Mas é a prova da ligeireza com que o regime perpetuou uma guerra profundamente confrangedora.E ninguém perguntou àqueles jovens se queriam ou não participar naquela guerra.
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(1) Trata-se de Cecília Supico Pinto, mais conhecida por Cilinha, rosto do Movimento Nacional Feminino, “uma Salazar de saias”, como alguém lhe chamou.(2) Então Ministro da Defesa Nacional.(3) Baseado neste disco ,Margarida Cardoso realizou em 2000 um documentário com omesmo nome e de que existe uma edição em DVD.

1 comentário:

teresa disse...

Recordo os jovens mutilados que eram focados, no Estádio Nacional, a assistirem a eventos desportivos.
Como explicar esta teimosia que nos afastava e isolava do mundo? Só por isso me alegro em ter sido professora nos mesmos territórios quando corriam os anos 80, para mim, foi uma forma de demonstrar que muitos de nós não estaríamos sujeitos à mesma rotulagem.
Um familiar, oficial de carreira, conseguiu "abrigar-se" em terras de França onde hoje ainda vive, bastou-lhe uma única comissão em Angola... Alguns dos seus colegas e amigos foram os "capitães de Abril".
Ainda lembro a alegria deste meu tio quando, ao fim de 6 anos de exílio, conseguiu rever a sua aldeia e os familiares em solo pátrio.
Os peditórios do movimento nacional feminino e as saudações natalícias dos combatentes são episódios muito cinzentos da nossa História.