14 de setembro de 2003

A propósito de tudo e de nada

Não sei se existe Inferno ou existe Céu. Felizmente ainda não conheci essas metáforas.
Mas uma coisa sei. a fazer as malas para partir, hoje, lembrei-me pela segunda vez do meu pai.
E sei ainda outra coisa, pela segunda vez hoje deu-me um ataque violento de saudades dele.
Quando o perdi, tinha eu 20 anos. Era eu uma miúda abstinada e teimosa, convencida que a vida era para levar sem vacilar. E lembro-me que engoli a seco a morte dele, sem mostrar hesitações e tentei ser útil a quem mais precisava de mim, a minha mãe.
Hoje lembro-o como o homem que fez de mim quem sou. Que me mostrou o que era ser uma pessoa de bem. Que não me inculcou/ padronizou valores, ensinou-me a descobri-los. Deixou-me fazer tudo e acertar por mim. Com ele sempre por perto. Foi com ele que bebi a primeira cerveja e fumei o primeiro cigarro em público. Nunca gostava de nenhum dos meus namorados claro:)
Era um homem afectuoso. Eu na altura achava que não era correcto abraçar e beijar a quem gostava. Ainda hoje só mostro o que sinto a um muito restrito número de pessoas. Tenho pena de não o ter abraçado tanto como deveria. De ter parecido seca. Emendei esse erro depois. Tarde demais.Para ele.
Acho que gostaria de me ver a viajar. Adorava fazê-lo. Encomendava os filhos e lá ia ele com a minha mãe.E chegavam felizes. Era um homem plácido mas com convicções.
Outro dia a arrumar papeis de familia encontrei as cartas de noivado dele e da minha mãe. Ele em Lisboa e ela em Esposende.
Adivinham-se os ciúmes dela, a vida social e alegre dele. Mas lê-se sobretudo muito amor em cada linha.
Lisboa, anos 40.
Acho que fui uma filha gerada com muito afecto e sensualidade. E por isso, filha fora de horas.
Filha que não vinha a calhar, mas que também chegou. E estou aqui a encher-vos a cabeça , por estar a fazer uma malita.
Lavagem de alma.
Por tudo. Os afectos que estão a ser vividos puxam outros afectos e lembranças.
Ao meu querido pai . Espero que o céu tenha tudo o que ele merece. Ou será que ele preferiria uma coisa menos etérea?
Sabe-se lá, era ateu:)
Se amar é guardar tão boas lembranças, amo-o muito. E nunca se esgota a saudade de quem se ama.
Agora tinha vontade de lhe ligar e dizer " Pai amanhã vou de abalada, vamos beber uma cervejita a um sítio qualquer". E o meu pai vinha.
Sempre sorridente. E a estragar-me de mimos. Essa lição retive, estragar de mimos a quem se gosta. Dar.
Vou continuar na mala.

2 comentários:

Assunção disse...

Também eu tenho saudades do meu... terríveis!!!

T disse...

Nunca os esquecemos...Um beijo para si, São.