Volta e meia, dou de cara com uma dessas "caixas de memória". Principalmente, nos períodos de mudança. Mudança, aliás, é sinônimo de revirar o passado, perceber o presente e vislumbrar o futuro.
Era o ano de 1985. Minha avó, nascida no último ano do Século XIX, trilhava a metade dos seus 85 anos. Meu avô era 11 anos mais novo. Nesse tempo eles usavam os serviços de "fazedores de cartas", como o papel que a Fernanda Montenegro tão bem desempenhou, no filme Central do Brasil, para transcrever pensamentos e mandar notícias.
Fernanda Montenegro, escrevendo cartas na Central do Brasil. |
Nesta carta, especificamente, eles agradeciam a minha intenção de buscá-los em uma viagem atravessaria o país, de Norte a Sul. Eu me casaria no Rio Grande do Sul em poucos dias. Reconheciam não ter disposição e nem forças para empreender tamanha jornada, ainda que para evento tão importante na vida do neto primeiro.
Seu Opílio e Dona Antonieta, meus avós. Eu, aos dez anos, e meus irmãos. Roupa de domingo e bênçãos protetoras. |
Correspondências II
Meus filhos recebem uma carta do avô Viegas. Sim. Meu pai mantém o hábito de usar o serviço dos Correios, apesar da internet. A cada fim de ano, ele me mostra orgulhoso sua lista de mais de 400 correspondentes. Infelizmente, nem a metade responde suas cartas. Mas isso não o faz desistir de escrever a mão, assinar, endereçar, selar e postar centenas de cartas, todos os anos.
Dentro do envelope, um conto escrito por ele, cujo final exige a participação de uma documentarista - Mariana, sua neta, claro! O documentário é uma espécie de registro de um sarau literário imaginário, feito com a participação dos seus dez netos. Uma viagem carinhosa do avô.
Mariana, Seu avô, Viegas e meu irmão. Começaram os registros da cineasta. |
Algo que merece ser guardado em uma caixa de memória (a carta) e que exige esforço breve de produção (o documentário). De repente, percebo que a tradição memorial que norteia minha alma transcende os limites do tempo e do espaço. Para se perpetuar no sempre, de outras gerações.
2 comentários:
Acho fascinante o jogo de abrir a caixa do correio e encontrar um envelope com o nosso nome, escrito à mão. Apreciar o selo e depois abrir sofregamente o envelope para saber novas de um(a) amigo(a).
E também as guardo em caixas de cartão. Mas são cada vez menos as que recebo. :( (E o pior de tudo é quando se riem deste meu gosto por uma correspondência tão pessoal!)
E é delicioso saber que se tenta preservar isso na sua família, através das gerações.
Sim, Luísa. Meu pai é um "escrivinhador inveterado de cartas". Acho que vem dai o meu gosto pela escrita também.
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