4 de maio de 2010

Notas cinzentas sobre o centenário da República

Com a comomoração do centenário da República à porta, seria injusto não mencionar uma figura do concelho: Francisco Santos, natural de Paiões, Rio de Mouro.
Como bolseiro do Estado e na qualidade de estudante de Belas-Artes, o vencedor do primeiro prémio do concurso para o busto oficial da Primeira República viveu em Paris entre 1903 e 1906 com grandes dificuldades dada a exiguidade da quantia recebida: no rigor dos Invernos parisienses, chegava a utilizar os jornais Le Fígaro e Le Matin como camisolas suplementares, consertando ele próprio – com pouco êxito – a roupa e o calçado.
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(Francisco Santos no seu atelier em Paris)

A Paris seguiu-se Roma, onde continuou a aperfeiçoar-se com um subsídio Valmor, tendo permanecido por três anos nesta cidade. Nunca viu a obra devidamente valorizado tendo referido, a propósito, o amigo António Couto: «nunca foi muito mimado, adulado ou favorecido pela crítica».
Foi co-autor do monumento ao Marquês de Pombal e responsável por trabalhos conhecidos na capital, sendo exemplos a estátua «O Homem ao Leme» (Cais do Sodré) ou Prometeu (Jardim Constantino).

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(casa de Francisco Santos em Paiões, concelho de Sintra)
A casa onde nasceu, localizada no concelho de Sintra, encontra-se hoje em lamentável ruína

sendo, ironicamente, a placa alusiva ao facto aquilo que dela se destaca com limitada nobreza…

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Um dos poucos a engrandecer o trabalho deste escultor foi Aquilino Ribeiro que , na qualidade de crítico de arte, assim escrevia em 1917 a propósito da estátua «A Esfinge»: «mimosa, de mármore onde passa uma pura e alta emoção de arte. Tendo a finura de La Pensée de Rodin, é mostra perfeita de mão nervosa e maleável».
Apreensiva com certames do tipo «o Português mais ilustre» (penso ter sido esta a designação…) , incomoda por acréscimo a indiferença a que se encontram votadas algumas memórias, entre as quais as pedras, também elas parte de uma identidade colectiva.
(consulta: 100 letras, Escola Secundária de Leal da Câmara)

13 comentários:

Mario Clipper disse...

É absolutamente "normal" q a casa deste insigne artista se encontre nesse estado...

Há dias na Costa Vicentina reparei de perto no estado absolutamente degradadode uma casa 60 anos mais nova, que se encontra a casa de férias de Amália Rodrigues, que até contava com uma praia privada, apesar de pertencer a uma fundação com o seu nome.

Será que no seu equivalente, as casas de Sinatra ou Piaf se encontram naquele estado?

teresa disse...

O problema é que exemplos como o do post e os apontados em comentário são de se lhes perder a conta... estamos a ficar convertidos num país de amnésicos ou, pelo menos, a correr sérios riscos, Mário.
No caso do escultor, temos um homem pouco valorizado em vida e que por aí continua, apesar de ter deixado marcos culturais importantes, padrões estéticos à parte para quem só percebe de escultura para afirmar se 'cansa' ou não a vista...

José Quintela Soares disse...

Que aconteceu às casas de Stuart de Carvalhais...Almeida Garrett...Teófilo Braga...e tantosa outros?

Não podemos esquecer que estamos num país que, nos anos 90, instituiu uma "pensão de sobrevivência" de 120 contos a Natália Correia.

teresa disse...

Verificando-se, por outro lado, situações de hipervalorização cultural (?) que se situam nos antípodas, sobretudo se pensarmos no 'apertar o cinto' que é a versão 'vacas magras' de outras eras...

Mario Clipper disse...

Teresa, uma questão apenas com vários nomes:

Quem descobriu e exaltou primeiro Pessoa?

Quem descobriu e exaltou primeiro Amália?

Quem descobriu e exaltou primeiro Arq Siza Vieira?

Quem descobriu e exaltou primeiro Paula Rego?

...?


A questão é só, sempre foi e será unicamente esta: qualquer homem ou mulher de valor acrescentado com a nossa nacionalidade encontrará APENAS eco de reconhecimento do real elevado valor sua obra fora da fronteira, por estrangeiros. Só depois, passado esse crivo, será respeitado verdadeiramente cá dentro.
Sempre assim foi...sempre assim será. O problema da amnésia nem se põe, pq haverá sempre quem reconheça por nós e nos imponha esse reconhecimento.

Quanto à degradação arquitectónica por todo o país:
nós como não tivemos bombardeamentos de uma Grande Guerra dentro de portas, nem uma 2a Guerra Mundial, vamos fazendo os nossos próprios raides destruindo e deixando degradar em nome do progresso....projectando durante 2 anos para construir em remendos acrescentos e destruindo durante 20.

Os políticos, não são a essência do povo..instalam-se, são destituidos, morrem. O nosso povo está espalhado por aqui e por todo o lado e há estrangeiros que AMAM verdadeiramente Portugal e reconhecem a sua essência: essa gente reconhece e não se esquece facilmente ; )

carlos disse...

o francisco dos santos nasceu pobre, passou fome, usou jornais como isolante para o frio (coisa normal na época), mas também teve muito dinheiro.
foi futebolista do sporting, benfica e casa pia (em sentido inverso cronologicamente, mas respeito os melhores primeiro), recebeu imenso dinheiro pelos trabalhos escultóricos que fez e morreu com muito dinheiro.
carlos enes disse dele que: foi dos artistas do seu tempo o que mais trabalhou, o que mais modelos expôs, o que mais obras vendeu. a prosperidade material reflectiu-se na pequena barriguinha que lhe foi crescendo.
durante o tempo que esteve a estudar em roma, foi futebolista da lazio, sendo o primeiro português, que se saiba, a jogar num clube estranjeiro. e foi muito elogiado pela gazetta dello sport um seu jogo num derby contra a roma
o busto da república, na prática, nunca foi dele, mas sim do simões de almeida.
o francisco dos santos ganhou efectivamente o concurso para o busto, mas o do simões de almeida, que já existia desde 1908 foi o que foi sempre utilizado.
digamos que artistas em paris com frio houve milhares, mas talvez poucos tenham depois ganho tanto dinheiro como o francisco dos santos...

quanto à casa, provavelmente e mais uma questão de propriedade...

teresa disse...

Belo comentário, Mário Clipper.

Comecei por olhar para as questões e, quanto ao Pessoa, penso que ele tinha plena consciência do seu valor... lá insisto eu na mesma tecla... quanto aos restantes, há uma comentadora cá do sítio que tem um familiar próximo com obra em importantes museus nas Europas e na Big Apple. Vendo assim a coisa, confiro que só depois disso começou ele a ser devidamente apreciado por cá...

E na essência concordo quanto aos que 'vêm e vão' e aos que 'ficam', embora fosse aprazível vivermos num país cuidado e cuidadoso, já que tanto gostamos dele:)

teresa disse...

Também tinha por cá a informação relativa à sua passagem pelos diversos clubes de futebol, bem como à 'pequena barriguinha':)
Não tentando tornar o 'post' muito extenso, pareceu-me igualmente interessante o seguinte (do jornal 100 letras que certamente se terá baseado em Enes): apesar dos quilos-extra adquiridos com a prosperidade o escultor «manteve-se sempre mexido, jovial e ruidoso, com as mãos atrás das costas e o chapéu às três pancadas, dando um ar de comerciante feliz nos negócios... de feitio despretensioso, era bastante inteligente e culto, um musicólogo apaixonadíssimo, com presença assídua em concertos».
Tendo sido filho de um sapateiro tão humilde, sem dúvida que os interesses tão diversificados fazem dele uma personagem a suscitar curiosidade.

carlos disse...

como foi notável.
mas neste caso, com reconhecimento em vida.. e até um pouco 'artista do regime'

a questão das casas, para mim, é um bocado mais complexa que o reconhecimento em vida, ou não, de um artista.
por exemplo o garrett, que nasceu no porto e onde tem uma casa museu:
faz sentido fazer casas museu nos açores, em lisboa (na verdade o teatro nacional já tem o nome oficioso de 'casa de garrett'), por todos os lados onde passou?
ou o pessoa com umas 3 casas só na baixa pombalina: deviam ser todas preservadas como casas museu?

quando um determinado artista tem uma casa onde tenha vivido grande parte da sua vida e/ou tenha algum património associado, faz sentido que essa casa seja preservada.
se a casa é apenas uma de passagem na sua vida, penso que a sua importancia muda muito.
por exemplo, dois artistas de queluz:
o stuart carvalhais murou numa casa grande parte da sua vida e esse edifício está ligado a ele;
ruy belo murou num prédio do monte abraão numa pequena parte da sua vida.
se para mim a homenagem ao stuart devia começar pela preservação da casa onde morou muitos anos, a homenagem ao ruy belo deve ser feita de outros moldes, um deles a transformar a biblioteca com o seu nome num organismo vivo e deixar de ser um depósito de livros sem o mínimo motivo de interesse

Mario Clipper disse...

Carlos, fantástica toda a informação que forneceu.

Na verdade o que a Teresa e o Carlos fizeram aqui na prática foi ressuscitar esse artista do esquecimento e suscitar curiosidade a quem não o conhecia. Quem mais terá comentado hoje, dia 4/5/2010, neste país, sobre este artista? Provavelmente mais ninguém ; )

Por vezes é natural que haja uma apropriação da passagem de uma personalidade de vulto por vários locais por onde tenha passado em vida. O país tem gente célebre e até é pequeno geograficamente para ter sido percorrido por muitos em vários locais durante a vida.

Tvz haja é falta de imaginação de plano e visão geral, não de recursos, bastante ignorância, por parte das autarquias locais para por as pessoas a sonhar, seja em Rio Maior, Monte Abraão ou em Queluz.

teresa disse...

Concordo que nem todas as casas onde vivem os que deixaram memória possam ser convertidas em «casas museu», o que custa é ver a degradação. Um dia, a passear casualmente em Londres, fiquei surpreendida com o destaque dado ao prédio onde viveu Pombal que nem sequer era inglês... independentemente de nos termos identificado mais ou menos com a figura, embora algumas medidas deste primeiro-ministro musculado, nem sempre a História as tenha explicado devidamente, indo ao fundo das questões...

Quanto ao que refere o Mário Clipper - a lembrança de Francisco Santos - agradeço-a muito a uma escola que tem feito um bom trabalho em prol da cultura e, mais do que isso, da interculturalidade, local onde há gente de muitas origens, etnias e culturas e onde todos valorizam e se respeitam na diversidade:)

teresa disse...

... e rectifiquei o texto do post: também tinha no meu texto informativo que o escultor tinha vencido o primeiro prémio com a escultura do busto da república e coloquei uma informação menos precisa.

Mario Clipper disse...

Teresa: Ocorreu-me enquanto lia o comentário do Carlos e os seus anteriores, precisamente os exemplos que observamos nos países anglo saxónicos. Em Inglaterra, por exemplo como refere o exemplo de Marques de Pombal. Obviamente que o Marques foi extremamente diplomata e habil a negociar com a Inglaterra e tvz por isso possamos observar essa homenagem que descreve. Os ingleses têm um espírito pragmático, mercantil. Sabem que tudo o que promovem lhes pode trazer benefícios indirectos. Eu por exermplo já fiquei com vontade de lá ir visitar para ver casa.

Há uns meses atrás assisti a um documentário sobre o último rei de Portugal, que, como sabe, viveu os seus anos de adulto exilado em Inglaterra. Dom Manuel II, o Patriota, a sua esposa e Portugal têm nomes de ruas na localidade onde viveram, Twickenham-"Manoel Road", "Portugal Gardens"... Históricamente o Marquês terá até mais peso que o nosso último rei, mas este teve direito a nome de rua.

Em Inglaterra até se criam museus e itinerários evocando assassinos , ex Jack , o Estripador... ;)