3 de maio de 2010
Em tempo de feira do livro
Em tempo de Feira do Livro ou , melhor ainda, de diversas iniciativas espalhadas por esse país fora, dado não se confinar a venda deste artigo ao espaço da capital (nas proximidades decorre, menos ambiciosa, a feira de Cascais e certamente outras ainda) , afigurou-se interessante uma investigação de finais do século passado aos hábitos de leitura no século XVIII. O estudo dos anos noventa da autoria de João Luís Lisboa intitula-se Ciência e Política. Ler nos finais do antigo regime. Nele ficamos a saber que, na época de Pombal, sendo os livros a grande via de contacto entre Portugal e a Europa das Luzes e o nacional universo alfabetizado muito restrito, as publicações no nosso país só se destinavam a ter algum sucesso quando suscitavam curiosidade pelo cheiro a escândalo, sendo disso exemplo a Medicina Theologica. Ao livreiro, interessava essencialmente o facto de a obra ser sucesso de vendas e não o rigor de conteúdo. Havia subscrições antecipadas como garantia de escoamento e anúncios na imprensa a tentar os leitores. A divulgação era feita na Gazeta de Lisboa e no Jornal Encyclopédico, publicidade mais tarde alargada ao Jornal de Coimbra.
O autor deste estudo investigou quais os espaços, as condições de venda, a língua estranha em que mais se lia, os gostos e sua flutuação (ciência, religião, novela, romance, direito).
Transpondo a situação para os nossos dias e, ao pensarmos nos títulos e nos autores mais vendidos, fica a interrogação se ao longo de mais de dois séculos teremos assistido a mudanças dignas de registo.
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22 comentários:
"Ao livreiro, interessava essencialmente o facto de a obra ser sucesso de vendas e não o rigor de conteúdo."
Nada mudou.
O caro José tirou-me as palavras das pontas dos dedos!! Vinha cá dizer exactamente isso, infelizmente, diga-se de passagem!!
Depende dos livreiros. E dos editores. Ainda existem aqueles que merecem o nosso respeito e afecto.
Concordo, T, mas são as excepções...não a regra.
O "lixo" best-seller que no quotidiano observamos nas nossas livrarias, tem responsáveis, e não são, seguramente, os leitores.
Ora José...Vá espreitar no pavilhão da Frenesi, que também vende a Hiena , a ETC e espólios de outras editoras. Verá uma bela colecção e pessoas que vivem o que fazem. Não são merceeiros dos livros.
:)
Ainda hoje estive no pavilhão da Frenesi.
Mas são as excepções.
Como em todos os ramos de actividade, há os que valem a pena, e os outros...
Então esteve com a minha amiga e colega Telma ?
Estive apenas com os livros expostos.
:)
Faça-a falar que ela sabe imenso. Aprendo imenso todos os dias com ela.
Dois imenso, paciência:)
Sou optimista q.b. (sem grandes entusiasmos), sorrindo moderadamente sempre que penso na frase ajuizada: «um pessimista é um optimista com experiência». Por esse motivo, acredito em bons editores e livreiros, mas também me parece que não serão assim tantos... a acrescer à constatação, não há tanto tempo assim, tive acesso a estatísticas que revelavam (em tempos de não haver jornais online) - por comparação a outros países europeus - sermos dos que ficávamos quase no fim da lista no que diz respeito a leitura de periódicos...a constatação algo desencantada não significa depreciar um país, mas sim o cingir-me à informação existente
( que me pareceu de fonte fidedigna).
Um mau serviço prestado parece-me ser, em muitas livrarias, a divulgação destacada de um conjunto de títulos 'algo esotéricos' ou de literatura muito, muito cor de rosa que passaram a figurar no topo de vendas/preferências .
Mas isso não se pode aferir por aí. Temos péssima comunicação social, com as excepções devidas, claro. Servem na maioria para forrar o caixote de lixo.
T,
O estudo a que tive acesso e que colocava os alemães como os 1ºs consumidores de imprensa, utilizava o critério 'leitura de jornais diários' como 1º aspecto para caracterizar desenvolvimento/literacia das populações, é certo que vendo a coisa só assim, a mesma poderá ser discutível, mas defendo a leitura de jornais com todos os defeitos e virtudes que têm, havendo uns 2 ou 3 títulos em que não pego nem de luvas, mas isso já é outra questão que induziria ao sono... :)
Mas sabemos que cada estudo se caracteriza por utilizar as variáveis que quer,atendendo aos resultados que quer atingir. A estatistica serve para servir isso mesmo. A leitura de jornais já era. Agora googla-se.
Também sei disso no que diz respeito às estatísticas... espreito jornais no 'google',mas não dispenso a compra de jornais, uma certa herança deixada pelo meu pai que vivia inundado em jornais... mas reconheço que, ainda há menos de um ano, descobri ( entendi porquê e não gostei) que uma notícia de abertura na imprensa espanhola, francesa e italiana nem sequer tinha sido mencionada na nacional ...
O meu pai não dispensava jornais, assim como os meus irmãos não dispensam. Eu vivo sem eles há anos.
Discussão interessante.
Achegas:
Os jornais mais lidos em Portugal são "A Bola", o "JN" e o "Correio da Manhã"...
A estação de tv com mais audiência é a TVI...
As revistas apelidadas de "cor-de-rosa" lideram os mercados...
Com todo o respeito pelas estatísticas, a realidade é esta.
Mais, qualquer apresentador de tv que rabisque umas páginas, arranja imediatamente editor que transforma aquilo em campeão de vendas, chame-se Santos ou Júlia.
José Quintela Soares,
Concordo genericamente, embora - e aqui fica uma ressalva- tenha verificado em tempos (não sei se assim se mantém) que alguns artigos de A Bola, independentemente do seu conteúdo, tinham pelo menos (e não será pouco) o mérito de se encontrarem redigidos num Português escorreito, não sendo o mesmo extensivo a certos romances ou 'pasquins'... o que conferirá valor literário a um determinado título? Será o número de vendas? Será ter como autor algum descendente de escritor consagrado ou alguma figura mediática por outros motivos (por vezes fúteis e nem sempre 'nobres') que não a Literatura em si própria? Como um dia escreveu um dos grandes num dos seus mais belos textos: «tantas histórias, quantas perguntas»...
Sim, teresa, ainda sou do tempo em que o corpo redactorial de "A Bola" era formado por Victor Santos, Carlos Miranda, Aurélio Márcio, Alfredo Farinha, Homero Serpa, Carlos Pinhão e outros de igual estirpe.
Era um prazer lê-los, privilégio que desapareceu com eles, substituídos (mal) por tantos e tantos que de jornalismo pouco sabem ou querem saber.
José Quintela Soares:
É verdade: dessa "A Bola" até eu gostava e bastante, apesar de não ser benfiquista (eu, porque "A Bola" também nesta matéria de benfiquismo chegou a um estado lastimoso, pelo meu critério - e para não haver dúvidas o "nesta matéria" pretende significar isenção clubística). E também acho que o seu grafismo pode ser muito modernaço mas pouco legível é-o indiscutivelmente.
Teresa:
"(...)alguns artigos de A Bola, independentemente do seu conteúdo, tinham pelo menos (e não será pouco) o mérito de se encontrarem redigidos num Português escorreito"
Tanto quanto me lembro, o "alguns" estará a mais. Julgo que todo o jornal "A Bola" beneficiava dessa qualidade. Mas mesmo hoje ainda há por aí muito pior que "A Bola"
T.:
"A leitura de jornais já era. Agora googla-se."
Pois é. Seguem-se os livros. É só uma questão de tempo. Atrás do tempo, tempo vem.
CMD
Concordo que ao ter feito referência a um passado não muito distante fui muito moderada. A Bola era uma estratégia bem conseguida de levar alguns miúdos renitentes/resistentes à leitura a ler num Português saudável, seguindo o tal lema chinês de «o importante não é ter um gato parecenças com um gato desde que cace ratos...». Relativamente aos tempos que correm, acredito no que afirmam os comentadores mais entendidos nestas matérias desportivas quando referem a gradual perda de qualidade da publicação... é que com o filão de alguma ficção juvenil bem conseguida de alguns autores consagrados, não precisei de voltar a mergulhar nos desportivos:)
Os livros vão ficar...Disso tenho a certeza.
Os jornais duvido que permaneçam.
Quanto ao Carlos Pinhão já aqui o recordei. E vai ser recordado mais vezes. Grande escritor.
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