22 de junho de 2009

um fim de semana de canícula em fajão, sem o alto (nem baixo) patrocínio do instituto cervantes.

sem nenhuma razão especial, dediquei este fim de semana à literatura espanhola.

um livro a cada dia. cada dia com uma obra prima.
ambos os livros sobre a sociedade espanhola nos anos 60. a deliquescência do franquismo e a nova espanha que ainda tardava a vir

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maria bonita, ignacio martínez de pisón, ed. teorema

maria bonita é uma espécie de conto infantil sobre a perda da inocência juvenil.

a espanha perdida entre os salamaleques à corte desterrada no estoril e a ascensão dos burlões que cresciam em espanha como pregados na aquacultura de mira (era a época dos célebre julgamentos das vendas fantasmas de apartamentos com as penas a ultrapassar os patéticos 1000 anos de prisão, que na prática eram meia dúzia de anos).
maria bonita é uma adolescente dividida entre a sua família pobre que não quer (uma mãe para quem a vida tinha que ser sofrimento, um pai operário 'socialista', com uma estranha mistura de subserviência, derrota, sonho de mudança e resignação) e a tia de madrid, plena de beleza e uma vida de sonho (criada sobre a sedução e a burla), com o modelo da marisol (ainda longe da comunista pepa flores) casada num filme de sonho com um príncipe italiano nos cromos que religiosamente guardava desde a infância.
maria bonita é a espanha a crescer sem saber para onde nem como, nos anos de 60 em que tudo parecia prometer mais ainda.
e um livro absolutamente obrigatório de ler.


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santos inocentes, miguel delibes, ed.teorema

miguel delibes é um daqueles enormes autores espanhóis olimpicamente ignorados em portugal.
sim, não são apenas os espanhóis a ignorarem-nos: nós também os, olimpicamente, ignoramos.
o problema é que nós somos capaz de saber tudo sobre as pantojas e os flores e ignoramos o que devíamos conhecer.

os santos inocentes é um fresco sobre a vida na castela rural: os latifundiários franquistas com o seu séquito de bispos, deputados, ministros e outras inutilidades e o povo na mais completa miséria e subserviência porque o pobre é pobre porque nasceu para o ser.

se maria bonita se escreve entre os arrebaldes industriais decadentes do pós-guerra e a madrid lustrosa, os santos inocentes estão completamente no centro da castela feudal profunda e rural.
os latifundiários donos dos servos que os tratam como aos porcos.
os santos inocentes tem muito de 1900 (o que para mim já seria mais do que suficiente). o mesmo ambiente rural dividido entre as oligarquias senhoriais o povo, vivendo ambos da mesma terra.
é um livro magistralmente escrito. cinematograficamente escrito.
e obrigatoriamente a ler.

o
trailer do filme los santos inocentes, de mario camus

um
estudo sobre a obra de miguel delibes

6 comentários:

T disse...

Por acaso há muitos escritores e escritores espanhóis conhecidos, estimados e vendidos em Portugal. Não generalizes o que não é generalizável. Autores existirão que não têm o mesmo sucesso. Nunca percebi o êxito do Lobo Antunes dentro e fora de Portugal por exemplo.

carlos disse...

eu, por acaso, que há muitos escritores espanhóis traduzidos vendido em portugal, mas poucos os conhecidos e reconhecidos.
a generalização é aplicável ao aplicável.
se eu digo, porque acho, que o miguel delibes é injustamente ignorado em portugal é porque essa é a minha visão do reconhecimento da obra de um homem que mereceria melhor reconhecimento.
e isto não tem nada a ver com o merecido reconhecimento que os montalbáns têm em portugal.
do mesmo modo eu acho que o (merecidíssimo, do meu posto de vista) reconhecimento que o lobo antunes ou o saramago têm espanha não anula a injusteja do irreconhecimento de alguns dos nossos melhores escritores (mais ou menos clássicos).

ou seja: generalizo o que acho generalizável, não generalizo o que acho que não o deve ser.
:)

Teresa Santos disse...

Vou ler a Maria Bonita. Obrigada pela sinopse.

E cara T,
Não perceber o êxito do Lobo Antunes, dentro e fora do País é uma coisa (para mim) completamente incompreensivel. Concordo que não seja de fácil leitura, mas o prazer intelectual que proporciona é indiscutivel. Quer se queira quer não, Lobo Antunes é o melhor escritor português contemporâneo.

T disse...

Teresa: A questão não é da facilidade de leitura. É de não me dar gozo lê-lo. E para mim a leitura passa pelo prazer. Sempre. Como dizia o Pennac, não é? :)

Carlos: Não falo unicamente do Montalban, mas também e inevitavelmente no Ballester, na Montero, na Gaite entre tantos outros. Todos muito bons. Inesquecíveis.

teresa disse...

Para além do post que é muito interessante (o estudo sobre Delibes consegue despertar interesse pelo conhecimento do autor que pessoalmente nunca li), os comentários suscitam igualmente curiosidade.
Desconhecendo o que preside à divulgação de boa literatura - seja de que nacionalidade for - além-fronteiras, fica a ideia de que as políticas culturais de cada país ditam muito sobre o "dar a conhecer" e as nossas políticas têm sido pouco expressivas nesse sentido. Há países que aplicam medidas conscientes de perpetuar a língua e a cultura respectivas (em certames internacionais e criando institutos de língua e cultura com expressão mundial), outros ficam-se por tímidas aparições (motivos financeiros? diferentes prioridades?) e pela divulgação de meia-dúzia de autores de referência, é certo, mas deixando no esquecimento nomes de igual relevo.
Quanto ao êxito do escritor A,B ou C, penso prender-se o mesmo com a divulgação (e aqui estou a pensar no comentário da T.) se os outros países os desconhecem, se não existem traduções, como os poderão apreciar?
Não estando na disposição de falar nos escritores pelos nomes (aí nunca haverá consenso), há aqueles (refiro-me aos nacionais) que têm uma obra tão vasta e diversificada que aderimos a alguns títulos e a outros nem por isso, outros há que passam a vida a (re)escrever o mesmo livro com variantes o que, para o leitor, se pode tornar fastidioso e correm o risco de serem aniquilados pelo passar dos tempos.
A título ilustrativo do que é "mostrar ao mundo quem somos" surpreendeu-me (pela negativa) quando descobri, há décadas, que os meus colegas vindos da Guiné-Bissau nadavam mais confortavelmente na cultura (literatura, cinema, etc.) francesa do que na portuguesa: 500 anos de colonialismo?(interrogo-me):(

Anónimo disse...

Diario de un cazador