23 de junho de 2009

SÍTIOS POR ONDE (NÃO) ANDOU

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Regresso às rotinas.
Feliz, assim como quem regressa às terras da infância.
Motivos de ordem vária impediram-no de ir a Famalicão ver Juddy Collins, uns olhos azuis da sua adolescência. Ainda pensou em levar até lá os amigos alemães, mas a distância não era pequena, a alteração de coordenadas implicaria uma série de desacertos. Até poderiam não gostar. Aquilo é música de outros tempos. O dele e de mais alguns.
Mas aos amigos que conseguiram ir a Famalicão, pediu informes, golpes de asa, murmúrios que lhe permitissem ver o que não viu, porque ouvir ainda tem os vinis. O melhor chegou-lhe por mail.
Há dias entrou por uma casa para fotografar girassóis. Até lhe podiam ater mandado à perna os cães. Mas correu bem. Mas agora sabe que se o amigo descobrir que ele publicou o que lhe enviou, como privado, talvez não goste. Mas ele tem um problema: entende que este texto merece ser partilhado. Se houver borrasca tentará sobreviver.

SWEET JUDY BLUE EYES

“Foi tarde demais, Querida Judy, quando finalmente me decidi a reservar os bilhetes para o teu espectáculo na improvável cidadezinha portuguesa de Vila Nova de Famalicão. Tive medo, sabes… Medo que tivéssemos entretanto morrido, tu e eu, ou um de nós que fosse. Que já não fossemos os mesmos… Tolices, Querida Judy! Percebi, com muita alegria, que não só não morremos, como estamos vivos e escrevemos Sol, tal como dizia há muitos anos um poeta português entretanto caído no esquecimento.
Sofri as consequências desse temor injustificado e tive de me quedar a meio de uma sala meio vazia. Confesso, Querida Judy, que não consegui perceber se os teus olhos se mantêm tão sublimemente azuis como no magnífico grande plano da capa do teu quarto LP. Ou, para ser um pouco mais tolerante com o tempo e com a idade, para poder imaginar sequer se a curva do teu pescoço se mantém tão suavemente bela como nas fotografias da capa e contra-capa de “Hard Time for Lovers”, onde surgias já na plenitude dos teus 40 anos… Surdo como sou, Querida Judy, também tive, por vezes, alguma dificuldade em te ouvir, mas nunca deixei de te escutar.
Não nos víamos há 17 anos, como tiveste o cuidado de lembrar logo de entrada, quando te referiste à tua presença na Festa do “Avante”.
Quase me apetecia dizer, Querida Judy, que o teu espectáculo foi uma “conversa em família”, se essa expressão não tivesse, para nós portugueses, uma conotação tão fortemente negativa. E a “família” seríamos tu e eu, claro está…
Falaste do teu Pai e no programa de rádio que ele tinha e ouvimos “My Funny Valentine”; contaste-nos que a tua Mãe quis homenagear Judy Garland ao chamar-te também “Judith” e tivemos direito a um magnífico “Somewhere Over the Rainbow”; falaste das músicas “folk” que se ouviam nos tempos em que eras adolescente e seguiu-se um “medley” de “Michael Row the Boat Ashore”, “Gypsy Rover” e “Danny Boy” (este um dos pontos altos da noite); falaste dos teus amigos dos primeiros tempos da tua carreira e outros intérpretes que admiras e ouvimos Joni Mitchell (a mais cantada da noite: “Both Sides Now”, com que abriste a sessão, mas também “Michael From the Mountains”, “Chelsea Morning”, …), Leonard Cohen (“Suzanne”), Richard Fariña (“Someday Soon”), Harry Chapin (“A Child is Born”), Sandy Denny (“Who Knows…”), Steeve Goodman (uma fraquinha “City of New Orleans”) e por aí fora. Fiquei tão contente com as tuas escolhas que até te perdoei essa versão de “Norwegian Wood”, desses rapazes de Liverpool que, como muito bem sabes, quase deram cabo da tua geração de “folksingers”…
Deu para perceber, Querida Judy, que é o piano e não a guitarra acústica o teu verdadeiro instrumento, e agradecemos todos à Drª Antónia Brico a paciência que teve em te ensinar. Na verdade, pareceu-me que nunca te sentiste muito à vontade com a guitarra nas mãos e adquiriste outra serenidade quando mandaste dar uma volta esse tal Russel que te acompanhava e te sentaste tu própria ao piano. Mas a verdadeira
beleza está na suavidade dessa tua voz pura e cristalina (e a escolha desta última palavra nem é minha, mas da também Querida Cristina…), e não houve momentos mais belos em todo o espectáculo do que aqueles em que cantaste “a capela”, sem qualquer instrumento de apoio.
Por isso mesmo tenho de confessar que te menti, Querida Judy, quando no início te disse que não tinha conseguido ver o azul dos teus olhos. Quando apenas a tua voz se ouvia e eu fechava os meus olhos, eram esses teus que me surgiam em todo o seu esplendor.
Não sei, nem isso me preocupa muito, o que é que te fez regressar ao fim destes 17 anos: para “pregar” certamente que não foi, porque foste de uma enorme contenção verbal. Saudades da Europa, das suas vozes e das suas gentes? Necessidade de pores em ordem a tua conta bancária, como a tem o teu amigo Leonard com quem já tenho encontro marcado numa grande (demasiado grande, em boa verdade…) sala de Lisboa dentro de poucas semanas? Pouco importa. O importante foi teres vindo.
Também eu já não conto o tempo, Sweet Judy. “Who knows where the time goes”? Eu não, certamente, que cada vez tenho menor visibilidade…
Gostaria de me poder despedir de ti, Sweet Judy, com essas palavras que Dylan, esse “pilha músicas”, te ofereceu tendo por base um tradicional britânico:
“Farewell, my own true love. We’ll meet another day, another time”…
Mas duvido que tenhamos esse tempo.
So long, Sweet Judy”

2 comentários:

carlos disse...

caro gin,

imagina que estás a menos de 20kms de famalicão todos os dias.. menos aquele que coincide com o concerto da casa das artes.
não que me queixe do fim de semana em fajão.
mas estar aqui tão perto durante a semana e ser precisamente quando não estou que a senhora vem... é mau

gin-tonic disse...

The story of my life.
Tem a existência com oceanos de desencontros deste género. Também há encontros inesperados, mas os desencontros...
E a certeza que não voltará a ouver Judy Collins!...