1 de setembro de 2008

Salvador V

Salvador tem o vento de Lisboa, e a luz. Isso chega para a tornar amável, mas não habitável.

A mulher do dono da Pousada onde estou foi recentemente assaltada, na rua ao lado. O ladrão era "um dos da rua" e quando a reconheceu pediu-lhe desculpa e devolveu-lhe o produto do roubo (um colar de pérolas, ou de pérola, não percebi bem). Isso não impediu o meu amigo de ir falar com o "chefe da rua" e encomendar uma punição exemplar para o "prevaricador" distraído, ou bêbado. Fez bem: mais vale ser temido do que desprezado, e nestas latitudes ou se é um, ou outro.

(Para a Luísa)
Gosta-se de Salvador apesar da arquitectura, e não por causa dela.

2 comentários:

Luísa A. disse...

Luís, sou uma viajante meramente turística; e bastante limitada e «medrosa», das que não ultrapassam os perímetros do turisticamente correcto. Mas presumo que, havendo as cidades simétricas e monumentais, e havendo as outras, as desordenadas, as «Lisboas» e «Salvadores», as diferenças se sintam, um pouco, como nos hotéis de luxo e nos outros. Gosto das instalações (da arquitectura) dos primeiros, mas a sua atmosfera intimida-me, por vezes. E é nos segundos que acabo por me integrar melhor, conhecer maior familiaridade e descontracção, e descobrir, enfim, mil e um pequenos encantos invisíveis. Pensava que esta preferência resultava da minha natureza, de me «puxar», talvez, «o pé para a chinela». Mas, pelo que nos tem dado a ler (e ver), pressinto agora que é também da qualidade das coisas. :-)

Luís Serpa disse...

Luísa, viva.

É muito raro viajar sem ser por razões profissionais. O que de mais próximo tenho de uma viagem turística é quando organizo cruzeiros em barco à vela, nos quais, mesmo sendo o responsável e tendo as obrigações que daí decorrem sou capaz de fingir que estou de férias, fingir tão completamente que acabo mesmo por o estar. Se bem esses cruzeiros acabem por me mostrar os limites da minha capacidade de férias: se não tivesse de tratar da navegação, da segurança, do barco, dos papéis aborrecer-me-ia mortalmente ao fim de meia-dúzia de dias.

A viagem por razões profissionais tem outro encanto: conhecemos lados e pessoas dos sítios onde estamos que não conheceríamos de férias, começamos por ir a sítios onde não iríamos de outra forma(a quem passaria pela cabeça, por exemplo, uma semana em Rabat? - Isto para não mencionar Zaires e Burundis e similares); e retornamos muitas vezes, coisa que não fariamos com intuitos turísticos (excepto, claro, no caso de se ter uma residência secundária) - para a semana vou a La Rochelle, onde já estive algumas dezenas de vezes, penso; e a Paris, depois volto a Marselha.

Por causa da natureza das viagens passo de um cinco estrelas a uma Pousada, tenho reuniões em escritórios de luxo ou em paupérrimos clubes de amadores, oscilo entre o simples e o dobro quantas vezes sem passar pelo meio.

Não sei se é isso a causa ou a consequência, mas aprendi há muito tempo a ir à essência das coisas, a comportar-me em qualquer meio em função dele sem deixar de ser eu, a (se me permite a extrapolação, apesar de tudo não completamente desadequada) preferir o olhar aos olhos.

Talvez por isso goste tanto de viajar e tão pouco de fazer turismo - talvez por isso seja mais sensível à "qualidade" das coisas do que àquilo que delas se vê.

Enfim, um longo arrazoado para lhe agradecer o comentário.