Os seres humanos são uns bichos curiosos. Temos milhares de anos de pancadaria nos genes. Esses hábitos estão de tal modo enraizados em nós que temos de andar à pancada regularmente, seja em sentido literal seja no figurado. O desporto de competição é o mais óbvio substituto de uma boa guerra. E funciona, note-se, como factor de aproximação de povos ou grupos geograficamente afastados. Aliás, tal como a guerra convencional, última forma de aproximar à força povos com diferenças irreconciliáveis.
Scolari, falando metaforicamente, está certo: estamos em guerra. Ontem contra os espanhóis, quinta feira contra ingleses, franceses ou croatas. Mesmo eu, que olho para esta loucura colectiva com curiosidade entomológica, não consigo deixar de me contagiar. Sim, larguei o computador e fui a correr ver a repetição do golo do Nuno Gomes. Sim, fui para a varanda no apito final assistir ao chavascal que ia aqui no bairro. Sim, fiquei muito contente, apesar de mim próprio, pela “nossa” vitória. Porque os mesmos genes de combate dos outros também eu os tenho.
Recuso, contudo, a simplificação. Procuro transcender a árvore que é este campeonatozinho de berlinde para crescidos. Procupo-me, por mim e pela minha família, com o país onde vivo, com a Europa onde se integra o meu país, com o planeta de que a Europa faz parte. Vejo com agrado desconfiado o ataque de patriotismo que pôs gerações inteiras de ignorantes a perceber a estrutura da bandeira (não sei se perceberão os significados históricos para além da descrição literal). Percebo que, por causa da bola, há mais gente a saber o Hino Nacional, se bem que num concurso de rádio sexta feira o próprio apresentador confessava e os concorrentes demonstravam ignorar o significado da palavra “egrégios”. Mas isto não é de agora: antes, a ignorância tinha vergonha e estava escondida; hoje exibe-se publicamente (o que prefiro – pelo menos a oportunidade de correcção existe).
É por isso que, apesar de continuar a considerar que a organização de um campeonato deste género constituiu uma estupidez para um país como o nosso, compreendo algumas vantagens que nos poderá trazer em termos de esprit de corps(em francês, por qualquer motivo, soa melhor). O que fazer com esta união é que é muito mais complicado. Educação, sobretudo, muita educação. Usar as bandeiras como ponto de partida para identificação de uma causa, a nossa causa, a nossa vida, uma vida melhor para os nossos filhos. Não com futebóis e fogos fátuos afins, mas com ideias e ciência e progresso real. Caso contrário daremos um exemplo de coesão como o dos lemmings, em suicídio colectivo para um abismo sem nome.
A minha bandeira nacional, atada na varanda, não sai mais de lá, a não ser quando se estragar e for substituída por outra. Devemos esse módico de respeito a nós mesmos.
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