Alain Resnais |
Naquele tempo, havia um cinema que nos recebia sempre as dez da noite. Éramos todos iguais. Jovens, ávidos de vida, de emoções, de ídolos e de novas histórias. Nossa trilha sonora era comum e desigual. Era universal. Assim como os sonhos e as palavras. O cinema era nosso território de amores e revoluções.
Nas noites de sexta à noite, nos juntávamos numa plateia de cinéfilos enebriados com a projeção da luz em movimento na tela grande. Em nossa frente desfilavam vilões e mocinhos. Música e poesia. Dor, aventura e paixão. O cinema era a música do nosso baile juvenil. Nos fazia rir e chorar com a mesma velocidade. E alimentava horas a fio de discussões que expunham a nossa alma e a nossa pouca vivência.
Numa dessas noites, conheci Alain Resnais e seu "Hiroshima mon amour". Uma beleza doída, nuclear. Uma beleza trágica. Uma poesia pós-bomba atômica. Um soco poético no estômago.
Os corpos dos amantes sobrevivendo à dor. Os corpos cheios de dor nuclear, nem sempre sobrevivendo ao calor real. O plano sequência que nunca mais esqueci, me levou pelas ruas de uma cidade destruída, me mostrou as vísceras de uma civilização que inaugurava o horror moderno. De tudo, quem sobreviveu foi persistência de um contador de história, um inversor da realidade, um conversor de tempos. Resnais, o mago do abstrato real.
Depois, um pouco mais tarde, tive certeza de que estive diante de um gênio do cinema. Um poeta que escrevia no passado e no presente, pra confundir, mais do que para esclarecer. Pra fazer mágica, em resumo. Alain Resnais, aos 91 anos de idade e mais inventivo do que nunca, nos deixou este sábado.
Sua obra está além do seu tempo. Nem presente, nem futuro. Talvez, um pretérito imperfeito, como em "O ano passado em Marienbad".
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