29 de outubro de 2013

A selva de cada um

O sol nasce sobre a selva, no Acre.


No domingo, estava lendo a crônica que Affonso Romano de Sant’Anna escreve sempre, no Correio Braziliense. Dele, guardo um carinho distante e uma inveja respeitosa. Ele não me conhece. Sou mais um dos seus milhares de leitores. Mas admiro imensamente o seu texto. É um dos melhores cronistas que temos no Brasil desses tempos de agora.

Reprodução da crônica de Affonso, publicada no Correio Braziliense. 
No texto de domingo, ele falava de uma viagem de avião que fez ao Acre. Das pessoas que viu durante a viagem e, bom cronista que é, foi entrelaçando uma história com a outra, dando um sentido comum a todos os personagens que lhe vieram à mente: De uma forma ou de outra, estavam todos ligados à selva amazônica. Inclusive ele. Inclusive eu, que o lia à distância.

Lembrei do Acre que conheço bem de perto. Já coordenei vários trabalho de comunicação por lá, em diferentes tempos. E guardo bem viva na lembrança a minha selva particular.

Vista do alto, a Amazônia assusta e atrai ao mesmo tempo. Impossível não temer, não achar-se minúsculo, diante de tanto verde. Lá de baixo, os sotaques, os sabores, os ritmos e os jeitos de pensar e agir daquela gente acreana me remetem à minha mais remota memória nordestina.

Seringueiro
O Acre é um pedaço da Amazônia, que um dia já foi Bolívia. E que foi preenchido em grande parte por nordestinos do Ceará, do Piauí, do Maranhão... Os primórdios dos anos 40, do Século passado, viram nascer os primeiros contingentes de Soldados da Borracha. Uma gente desbravadora, convocada para ocupar os seringais e produzir borracha, produto de grande importância que tornava-se escasso com o avanço da Segunda Guerra Mundial.

Aquele lugar reúne histórias e personagens que habitam um Brasil distante, ainda hoje, esquecido. Do império de Galvez, aos rituais indígenas do yahuasca, o texto de Affonso Romano de Sant’Anna me transportou no tempo e me lançou à selva.

Boto
Por um instante, pensei no quanto me senti longe, naqueles dias de Acre. Ao mesmo tempo, o quanto me reconheci e me encontrei comigo mesmo, internamente. Um fim de tarde na Boca do Moa – encontro entre os rios Juruá e Moa – é inesquecível. Pela festa inusitada de dezenas de botos e pelo pôr-do-sol.

No ano passado, às vésperas de fazer 50 anos, me vi desafiado a cruzar 700 KM de selva ou ficar por lá, e começar os cinquenta sozinho. Arrisquei. A aventura está descrita em um curto texto, aqui. Tendo tempo e interesse, confira. 

No domingo, revisitei minha selva interior pelas linhas de Affonso Romano. E cada vez que faço isso volto com o olhar rejuvenescido. Como um Brasil novo, ainda por ser descoberto.  

Texto escrito originalmente para a coluna "Olhar Poético", que assino semanalmente, no Blog Hoje Vou Assim, da Cris Guerra

1 comentário:

Luísa disse...

Em miúda li "A Jangada" e desde então que sonho ir à Amazónia e fazer o percurso de Joam Garral. Mas tenho medo dos bichos. Todos os brasileiros que conheço e a quem confesso este medo brincam comigo, mas é mais forte do que eu... :(
Vou ter que fazer como o Júlio Verne e contentar-me em ler textos, como os seus, para conhecer esse mundo que, nas suas palavras, assusta e atrai.