L. tem quinze anos e não consegue concluir o 6.º ano. O pai
regressou de longa emigração, trazendo na bagagem uma doença que passa à mãe, e
os confina a um espaço doméstico insalubre . O irmão mais velho do jovem
evidencia comportamentos de risco, receando-se que lhe venha a servir de
modelo. A informação chega, qual murro no estômago, a par do pedido de algumas
horas de apoio individual, na escola. A técnica de serviço social (sim, em finais
do passado século era um recurso existente), ao assistir à reação da docente de
apoio, deixa escapar um «se ficas nesse estado de cada vez que há miúdos
sinalizados, passas a depender de apoio clínico e acabas em casa por tempo
indeterminado, tens de ganhar juízo…».
S., uma rapariga da
mesma idade, não consegue sair do 5.º ano: cuida dos irmãos mais novos, falta
às aulas, parece viver diversos papéis que lhe não deveriam caber. De forma casual, é uma
manhã encontrada pela professora, a vaguear pela vila, a 10Km de casa, há quase 14 horas sem alimento «fugi a uma sova sem motivos, dormi na estação de comboios e
roubei uma manta de um estendal, para não gelar». Fica a promessa – foge-se aqui
à regra – de que, caso o risco se repita, a miúda telefonará à professora de
uma cabine junto à porta de casa, com chamada a pagar pelo destinatário, pois a
estação ferroviária é, durante a noite, local deserto e inseguro.
A escola pública é mais do que isto, caso contrário,
cair-se-ia numa daquelas reportagens televisivas plenas de chagas sociais e ávidas de audiências, mas os estabelecimentos oficiais são também o que aqui é
retratado, com respeito pelo anonimato dos protagonistas nos retalhos
verídicos em resumo. Ao longo destes (e
de tantos outros processos) foram visitadas instituições oficiais para
acolhimento, encaminhamento profissional, cuidados de saúde. Poucas portas se
entreabriram, outras revelaram-se em plena ineficácia, as famílias pouco ou
nada cooperaram… Duvida-se que caiba à escola a resposta para problemas de tamanha complexidade … Tudo leva a crer que
não, embora se torne impossível fechar os olhos e agir como se a função – e
como isso seria aliciante – se limitasse a cumprir os programas oficiais das
disciplinas, sem obstáculos e com vista ao sucesso nos exames nacionais.
Sem vitimizar – tantos jovens com sucesso nos estudos e sem
transferência de problemas pela sua inexistência – descobre-se que são diversos
os que escapam às little boxes , os que não conseguem passar pela vida sem sobressaltos.
Fugindo ao apelo fácil do desestruturado, surge a reflexão a
propósito da notícia de jornal que hoje informa – o que era mais do que
imperativo ao longo de tanto tempo – a medida de passarem os rankings das
escolas a contemplar a variável «contexto social» (acrescentaria afetivo,
cultural, de origem geográfica…). Insiste-se, uma vez mais, que só isso não
basta: resultados relativos a estabelecimentos inseridos em zonas de tecido
social complexo ou em isolamento virão
comprovar o que muitos já suspeitam ou conhecem, importante seria quebrar o
ciclo e - visionarismos à parte –
delinear estratégias na tentativa de instaurar a equidade, despindo-a do vazio
do conceito.
Imagem: do blogue territorioteip
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