Há cerca de vinte anos viajei pela Suíça. Passando por uma cidade onde viviam amigos dos tempos de liceu, decidi visitá-los. Soube que uma delas, a poucas semanas de dar à luz gémeos, se encontrava internada numa pequena unidade hospitalar. Perguntei então o porquê da medida. Informaram-me que era unicamente para prevenir complicações – um parto gemelar era considerado como uma situação a necessitar de um especial acompanhamento. Fui visitar a S, ao quarto de hospital. No local, o chão parecia um espelho. Encontrei-a saturada por se encontrar há algumas semanas confinada ao espaço. Confidenciou-me que (na idade que tínhamos então, a criatividade era imparável), cansada da imobilidade, se tinha queixado de uma sensação num dente, a sonhar que a deixariam percorrer os corredores. Qual não foi o seu espanto, quando o médico dentista, com equipamento móvel, se deslocou ao leito hospitalar para que ela não fizesse movimentos. Também soube que os serviços municipais lhe estavam a tratar de uma casa maior: um agregado que passa de dois a quatro elementos, não pode ocupar a mesma área de habitação. Como curiosidade, deixo as impressões de viagem de um lisboeta de passagem por este país na década de 50, com o título «Os homens discretos»:
É talvez devido a esse órgão novo, o civismo, que os suíços são os homens mais discretos do Mundo. Temem perturbar ou ofender a intimidade dos outros. Por isso, quando entramos num lugar público, impressiona-nos imediatamente o silêncio extraordinário que ali reina. Todos falam em segredo ou estão calados. Movem-se lentamente. Não gesticulam. Que contraste com os nossos cafés ou as nossas casas de chá! O mesmo se passa com o vestuário, sempre discreto, sempre sem obedecer demasiadamente às modas de cores vivas ou de talhes extravagantes. Cada um quer passar o mais despercebido possível. Nunca chegámos a perceber se tudo isto é feito com esforço, numa auto-repressão constante, se, pelo contrário, é feito naturalmente…
«Um Lisboeta na Suíça», O Século Ilustrado, 2 de Março de 1957 Imagem: switcardcow.com
2 comentários:
Está um bocadinho diferente, mas a Suíça continua igual a si mesma (até o postal podia passar como desta semana, bastava ajustar o grau da fotografia!). No entanto, eu acho que quem escreveu este texto esteve mais na suíça alemã e/ou francesa. Pois, das duas uma, ou ele nunca visitou o Ticino ou este cantão mudou muito nos últimos 55 anos.
Eu só discordo um pouco com o vestuário. É um facto que muitos não seguem as modas (se eu falasse de certas roupas e certos penteados, iriam pensar que estou a mentir), mas cores berrantes... eles usam muita roupa que parece que veio dos anos oitenta (e não tem nada a ver com a moda actual)... um bocadinho assustador!!! A única coisa que sempre se criticou e eu adoro é as sandálias/chinelos com meias. É um conforto enorme (escrver sobre isso daria um tratado)!!!
De resto... os cafés são locais aprazíveis (nas esplanadas já se soltam mais), eles realmente não gesticulam (eu acho que meto medo a alguns, pois falo muito com as mãos).
E até se pode conjecturar que este comportamento pode ter sido uma coisa imposta pelo Ulrich Zwingli (o principal reformador da Igreja na Suíça, mas também da mentalidade e do comportamento da sociedade - seria interessante ver-se a relação entre a produção de relógios e a Reforma na Suíça), mas com o tempo tornou-se coisa natural e alguns comportamentos são legislados e seguidos pela lei.
Já o apartamento maior para família maior, como já falámos, a coisa mantém-se. O hospital também. Por acaso é um tema que tenho pensado em abordar, por causa da conta de hospital que chegou para a minha mãe pagar.
Bom resto de Domingo!
Pois, Luísa, só me limitei a deixar a minha curta vivência de mais de duas décadas e, mais antiga ainda, a experiência relatada neste excerto de crónica que aqui deixo. Quanto a contas de hospital, acredito que sejam um pesadelo e a moda também vai mudando, vamo-nos tornando mais indiferenciados neste mundo global. Bom (final de) domingo:)
Enviar um comentário