6 de outubro de 2010

Como perpetuar memórias: o jornal "A Capital"

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Ao chegar à escola fui surpreendida por um jovem que, vestido com a modéstia de um trabalhador rural de início do século passado, distribuía à comunidade o exemplar de A Capital de 5 de Outubro de 1910. É gratificante verificar as formas hoje possíveis de perpetuar memórias através das gerações. Ao olhar para o editorial deste diário, não pude deixar de sorrir ao verificar como um texto jornalístico da época - independentemente do impacto da notícia - obedece a fórmulas que hoje, nas aulas, se aprende serem contrárias às das peças a publicar na imprensa (obviamente com excepção para a crónica). Será decerto um tema a explorar em sala de aulas. Referirei unicamente a actual contra indicação no uso e abuso de  adjectivos, bem como  a emotividade expressa, contrária à objectividade pretendida, passando a transcrever algumas linhas comprovativas com  respeito pela grafia da época:
«Que escrever quando os olhos ainda se enublam de lágrimas de emoção, e o peito ainda palpita com a vibração da anciedade enorme que o agitou durante estes dias de gloria e de tragedia? Quem viveu esses dias inolvidaveis, unicos da vida, não julga possivel traduzil-os ainda na expressão mais bella e mais sentida da palavra humana.».

A Capital, 5 de Outubro de 1910

12 comentários:

abr disse...

saiu com a revista visão (pelo menos)

Jorge Freitas Soares disse...

Curioso ver como hoje somos sempre contra os acordos ortográficos... quantos acordos já se fizeram desde 1910, se tivéssemos sido contra todos eles, continuaríamos a escrever assim e ansiedade continuaria a ser anciedade.

Jorge Soares

teresa disse...

É possível, abr, acontece que como só a compro muito pontualmente por motivos pessoais, a distribuição me escapou. No entanto, parece louvável a sua divulgação entre as camadas mais jovens e em meio escolar.

teresa disse...

Caro Jorge Soares,

As interessantes palavras que aqui deixa levam-me a pensar ter aprendido que o primeiro acordo ortográfico (não formalizado enquanto tal) se deu com o pai de D. Dinis, o rei de cognome 'O Bolonhês' e por influência do antigo Provençal ('ñ' passou a ser grafado como 'nh' durante o reinado de Afonso III, um mero exemplo), ficando-se a pensar se a ancestralidade justificará ou não a legitimidade, repto lançado só para reflexão, sem aqui se adoptar a posição pessoal (que se tem) de defender todos os acordos, só alguns, ou parcelarmente cada um deles.

almariada disse...

as fórmulas, indicações e contra indicações - de objectividade ou emotividade, entre outras - são também acordos: tácitos ou explícitos limitam a diversidade. Simultaneamente, por outro lado, promove-se a inovação e a criatividade... ;)

teresa disse...

Sem dúvida, almariada, passando a banalidade, tudo tem ganhos e desvantagens neste quotidiano... e assim, tendo acabado uma lição sobre a proximidade do galego e alusão ao galego-português, idioma inicial da nação, vi hoje os jovens a disfarçar um 'brilhozinho nos olhos' ao ouvirem um poema de Rosalía de Castro 'Adios, rios...'... talvez estivessem assim por causa do dia cinzento de hoje.

almariada disse...

Ah, que lindo teresa! e obrigada por me recordar Rosalía de Castro e
'Adios, rios...'
Para não me afastar do assunto do post: ontem uma amiga também me
mostrou A Capital de 5 de Outubro de 1910 e trocámos impressões - mas sobre sobre o arranjo gráfico e as similaridades e diferenças entre a implantação da República e o 25 de Abril.
A atenção às fórmulas jornalístícas e à ortografia entusiasmou-me a comentar porque ainda não lhes tinha prestado atenção.
O que eu queria dizer é que a mesma criatividade que cria regras cria ânsias de libertação - estão intimamente relacionadas. Para lá
desta dialética há a expontânea diversidade - que se pretende regular e gera revoluções.
Donde se pode ver que este jornal de 1910, o post e os comentários são uma bela fonte de reflexões! Obrigada! :)

teresa disse...

Sem dúvida,almariada, o que se pode aprender a partir dos periódicos! Sei de quem tem feito interessantes trabalhos em diversas áreas a partir de 'viagens no tempo' a jornais hoje inexistentes.

Jorge disse...

Gostava de deixar aqui a informação que o jornal "A Capital" e muitas outras publicações periódicas antigas estão disponíveis para consulta on-line no site da Hemeroteca Digital - http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/

:)

T disse...

Já aqui publicitámos várias vezes o belo trabalho dos meus colegas da Hemeroteca. É uma perspectiva de partilha do acervo que muito honra a CML e a quem trabalha na Hemeroteca. Infelizmente a Capital está longe ainda de ser digitalizada totalmente.
Caso a alguém interesse o Diário de Lisboa está totalmente digitalizado na Fundação Mário Soares.

almariada disse...

o que eu gosto destas conversas :)
obrigada Jorge, segui o link e escolhi um Diário Popular - 27 de Outubro de 1950: a China começava a invadir o Tibete, um jornalista inglês visitou o assassino de Trotsky na prisão, os alemães estavam em dilema sobre a atitude a tomar em relação à Rússia e à divisão da Alemanha... enfim, como a teresa disse, embarquei numa viagem no tempo...
obrigada mais uma vez!

teresa disse...

Obrigada a todos pela informação adicional. Aliás, um colega professor de História utiliza muitos dados dos referidos pela T através da fundação MS para o seu blogue temático.
Nos meus tempos de juventude, o local privilegiado para pesquisarmos jornais antigos era a Biblioteca Nacional, mas o acervo da Hemeroteca é realmente um referência, a par do sítio da Fundação deixada pela T, já que muitas vezes a deslocação a locais especializados exige tempo e há muitas coisas a ocupar-nos.