Um calor de ananases, uma lua cresente, o comentário do viajante César Ramos, ao poema Na Morte da Manuela Porto do José Gomes Ferreira, provavelmente é assim que se morre! mas complicamos tudo... e não costumamos ter uma assembleia à volta... excepto se em coma, ou catalepsia e uma vontade assim, silly season, maluca, ou parva, de loas sobre a morte, ou o destino a bater à porta, um arrepio na noite quente, sufocante e lembrar quando perguntaram ao Alexandre O’Neill se ele tinha medo da morte e ele, calmamente, a responder apenas curiosidade, saber como tudo isto vai desfechar, o Woody Allen a dizer que não tem medo da morte mas prefere não estar presente quando ela chegar, ainda o mesmo José Gomes Ferreira a pedir que quando ele morrer não compliquem o mistério com pios de coruja, o Pessoa a dizer que é fácil ser-se definido, só há duas datas o nascimento e a morte, é assim nascer, viver, morrer, no intervalo fazer qualquer coisa, o desejo de morrer rapidamente mas hoje não, ou morrer sem dar por isso, ou uma serenidade tal que permita ainda contemplar a luz no musgo da parede, o Humphrey Bogart, entre um milhão de cigarros e outro de whiskys, a sugerir que há que cuidar dos vivos porque quando se morre acaba tudo, o desabafo do José Manuel Mendes a dizer que quando o pai morreu soube que Deus não existia, o T. S. Elliot que no começo de cada um está o fim, também um sarilho, “life is a bitch… and then you die”, diálogo de um filme de que agora não lembra o nome, o Jim Morrison a dizer-nos que antes de mergulhar no grande sono ainda queria escutar o grito da borboleta, a Agustina a avisar-nos que na eternidade se pode fazer tudo menos o trivial, o lamento de Brecht porque não dizemos as coisas importantes às pessoas antes de elas morrerem, um azulejo na tasquinha do Aires na Trafaria a desafiar-nos para comer e beber porque se vai passar muito tempo morto, inevitavelmente Cesare Pavese, para todos a morte tem um olhar, a sabedoria de Maiakowski não é difícil morrer, viver é muito mais e assim aos 50 dizer-se que não vale a pena viver depois dos 60, chegados aqui falamos dos 70, aos 70 dos 80 e por aí fora, Manuel Freitas, definitivo, de que nunca escreveu sobre nada limitando-se a anunciar que vai morrer, e morte por morte fechar esta parvoeira sem pés nem cabeça, esta paranóia, com esse tão subtil Herberto Hélder: “morrer era agora a minha liberdade, e eu tinha a vida inteira para executá-la pormenorizadamente.”
Legenda: fotograma de "O Sétimo Selo", filme de Ingmar Bergman, 1956
Legenda: fotograma de "O Sétimo Selo", filme de Ingmar Bergman, 1956
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