Durante as minhas férias fui assaltado por diversas vezes. Quando me apresentavam a conta do restaurante, quando comprei um livro que acabei por encontrar por muito menos uns metros à frente, sempre que bebi café, enfim, quase sempre que respirei.
Em toda esta actividade criminosa continuada houve um momento em que achei que o "criminoso" mereceu o produto do assalto.
Em Granada, à entrada de uma rua cheia de supostos artesãos, parei a olhar para uma mulher estátua. Não estava particularmente imóvel nem era uma figura muito atraente. Foram alguns segundos de desconcentração. Quando me voltei para reiniciar a marcha fui abordado por uma cigana, jovem, com uns olhos negros onde quase me podia ver espelhado. Queria ler-me a sina. Obviamente não acedi ao pedido e coloquei as mãos dentro dos bolsos. Como sabem, as ciganas podem ser mais insistentes do que a T quando pede tema. Houve uma dança estranha em frente à mulher estátua. Eu a querer passar e a cigana a querer ler-me a sina. Os corpos moviam-se mas os meus olhos estavam presos no olhar profundo daquela mulher. De repente, esticou uma mão para meu rosto, acariciou-me suavemente e disse: "que guapo". Qaundo dei por mim já a tinha ultrapassado e seguido o meu caminho. Com menos 20 euros que com a outra mão ela me tirou da bolsa que trazia ao ombro e aberta.
Mesmo sabendo que as palavras da cigana não correspondem à verdade, mesmo sabendo que o objectivo foi sempre os 20 euros que estavam bem visíveis, de todos os assaltos a que fui sujeito este foi o único que não lamento. Pela qualidade profissional, pelo magnifíco jogo que foi capaz de fazer apenas com os olhos, por nunca me ter deixado desviar o olhar. Mas essencialmente pela sua existência. Quem tem uns olhos daqueles merece o resultado de qualquer assalto. De qualquer poema.
O tema é: que assalto vos valeria a pena?
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