23 de fevereiro de 2006

há pessoas sobre as quais não é fácil falar


alguém me perguntava aqui há uns tempos porque eu não postava sobre músicas que toda a gente ouve e sobre cantores que toda a gente conhece.
se eu simplesmente não os ouvia ou se apenas tinha tendências para a auto-flagelação auditiva...

há alguns cantores ou músicos sobre os quais tenho manifesta dificuldade em falar.
amália, beatles, dylan, bruce, van morrison... e o josé afonso (para citar alguns exemplos que eu considero ao mesmo nível de singularidade)

são músicos que são muito mais do que apenas músicos.
é gente que influenciou muito mais do que apenas a música que produziram.

hoje deveria falar sobre o josé afonso, dizem-me
talvez um dia fale sobre a sua música e do que foi como pessoa (das pessoas mais honestas e mais 'boas pessoas' com quem me cruzei).

durante muitos anos o josé afonso foi usado para tudo e mais alguma coisa.
era útil quando cantava e quando não cantava.

uma noite, há muitos bués, estava anunciado um concerto do josé afonso na idanha (no grupo bandolinistas 22 de maio, se a memoria não me atraiçoa).
com um grupo de amigos arrancámos de queluz a penantes para o local.
não sei realmente se o concerto estava marcado ou não.
a verdade é que nessa noite, ao contrário do que era habitual, essa colectividade estava fechada, e das pessoas que estavam à porta, uma boa parte era da pide.
regressamos ao local de origem passado algumas horas, percorrendo a distância que separa a idanha de queluz a desfiar canções do josé afonso.
afinal fizemos nós o concerto para nós.

mais ano menos ano, num final de tarde, estava anunciado um concerto do josé afonso na sala de convívio dos estudantes de medicina do hospital de santa maria.
ao tempo, e utilizando um pouco a linguagem dos grupos de libertação nacionais, as associações de estudantes reivindicam para as suas instalações o estatuto de 'zona libertada'.
salvo raras excepções, a polícia abstinha-se de intervir directamente dentro das instalações.
era mais á saída.
perante uma sala repleta em tudo o que era espaço onde fosse possível colocar alguém, o josé afonso cantou.
com a naturalidade e humildade de sempre.
sempre dizendo que não sabia tocar, que não sabia de cor as letras e só se o ajudassem, que não sabia cantar aquela ou a outra canção, que aquela que queriam que ele cantasse até nem era muito correcta.
foi um daqueles concertos onde havia um misto de escuta respeitosa com participação muito activa e entusiasmada.
à saída todos tínhamos a sensação de estar a ser contados e verificados, tal o aspecto circunspecto de alguns senhores de ar carrancudo no corredor do toxinas.


mas a sensação era de um grande momento libertador.

o josé afonso tinha essa capacidade.
de nos fazer sentir livres escutando-o ou cantando-o

um dia falarei da música
prometo

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