Lisboa, linha verde do Metro, 17H35.
Observo o tipo que se senta à minha frente. É o protótipo do viajante ocasional da toupeira urbana. Salta à vista; contrasta com os habituais utentes, esses que quase atingem o estatuto de residentes. Os olhos não param. Os dedos contorcem-se uns contra os outros num nervoso miudinho que complica o sistema nervoso ao mais paciente dos pacientes. Parece engolir com o olhar todos os recantos da carruagem; parafusos, publicidade, até os grafites improvisados, cravados a golpe de navalha em vidros e bancos (à falta de tinta urge o improviso), enfim, tudo aquilo que é visível dentro de um comboio. O meu companheiro de viagem encafuado, melhor, emparedado (quase espremido) entre a parede e uma matrona de carnes rechonchudas, humedecidas pelos grossos bagos de suor que brotam da sua pele e se misturam com o odor de perfume “made in Taiwan”, resfolegada no assento, que diga-se de passagem até para as minhas modestas e secas “assentadeiras” acho pequeno, olha em seu redor com a cara de terror que têm os aprisionados numa escura e tenebrosa caverna.
Consigo observá-lo sem que ele se aperceba. Os óculos escuros, tipo “Martini-man”, são de uma eficácia total. Eis que dou por mim a ser observado dos pés à cabeça enquanto ele crê estar eu deliciado a mirar uns fantásticos (embora generosos, bem delineados) nadegueiros da jovem que segue em pé no corredor, a meu lado, insistindo em manter aquela zona a escassos centímetros da minha cara. Nestas ocasiões, digo eu, bem que dava jeito a visão binocular autónoma dos camaleões; sempre se juntava o útil ao agradável, prestando mais atenção aos pormenores.
O tipo continua a mirar-me de uma forma que roça o “tirar as medidas”; reparo que faz o mesmo à ninfa que se sentou a meu lado ao mesmo tempo que eu o fiz. É atrevida e descontraída a moçoila. Não tem problemas em dar largas à sua área de acção e expande-se no assento, encostando-se a mim com uma descontracção que quem olhe de fora invejar-me-à (“um tipo destes com um naco daqueles” - seria o comentário de um observador mais atento!) Porra!!! Com tanta mulher aqui dentro, até o clone da Odete Santos, sentada ali mesmo à frente, teria a minha condescendência para com os olhares fixos e lascivos sobre a minha pessoa; agora um gajo, isso não, não é admissível.
Carteirista, não é. Pelo menos, conhecido meu, não é. Será aprendiz? Não vislumbro nenhum dos “habitues”, desde o mais cotizado ao menos hábil. Nem mesmo as “encostas” e “muletas” do costume se vislumbram. Será hoje o meu dia de sorte? Desde o Euro 2004 que não referencio novos mestres do abafo do “cabedal”.
Chego ao Intendente. Em manobra estudada, levanto-me com cuidado de modo a não ser notada a artilharia dissimulada sob a fralda da camisa. Coloco-me estrategicamente encostado ao varão central do patamar de saída. Coincidência? Bingo? O tipo secunda o meu gesto, levanta-se e quase se cola a mim e à jovem que viajava encostada a meu lado e que também veio para perto da porta. Mau! Ou vens para fazer a carteira ou então queres aliviar as carências afectivas… Dou-lhe o flanco (sei que se vão rir desta parte, mas não retirem a parte do contexto) na esperança que o gajo invista contra o bolso traseiro. Avanço para a porta, faço a paradinha e observo o “suspeito” através do reflexo do vidro da mesma. Eis que o fulano se aproxima, quase se encosta; aguardo a paragem e o solavanco fatal que dá a cobertura ao encontrão da praxe. Chegou o momento, abre-se a porta precipito-me, junto com os restantes para o exterior, mergulho no funil que os que aguardam entrada sempre formam, avanço para a gare e eis que, pelo canto do olho, observo a abonada cachopa que seguia junto a mim, rodopiando sobre um pé enquanto esganiça um “ai” e desfere uma real “latada”, daquelas à antiga, na cara do meu alvo.
Porco – grita ela.
Fodassss…!!! – lamuria ele.
Bem feito – replica um terceiro.
No meio disto, na minha condição de simples observador/respeitador, invejo o tipo. Afinal o mariola era um rebarbado qualquer, que sabia o que queria (claro que em matéria de limites, razoáveis, socialmente falando, era limitado) e arriscava a integridade do seu facies (e vergonha claro, isto contando que a tem!) em detrimento de uma fugaz passagem dos “garfos” pelo "monumento" visado. Que coragem!!
Subindo as escadas rolantes, ao passar por mim, a esfregar a cara no local do estrafegado impacto, o sacana, sorrindo, lança-me um olhar de triunfo e dispara:
- Porra, pensava que era a sua namorada, amigo…
- Pois, infelizmente não era! – replico em tom de gozo.
- Por isso, arrisquei… quem não arrisca!... G’anda cú… sim senhor, g’anda cú…
Lá foi o tipo; afinal conseguiu aquilo que queria (pago a preço de estalo, não de saldo, mas conseguiu).
Ele há tipos com uma lata!
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