Estes dias que se seguiram à eleição do novo Papa e, especialmente, o coro de protestos que se ouviram por todo o lado, fez-me reflectir um pouco sobre esta questão da interacção do terreno (Igreja) com o divino (Religião).
Antes de avançar, um ponto prévio. Como já aqui afirmei, um dia, sou um católico "cultural" e "não-praticante", seja isso o que for. Revejo-me na maioria dos principios éticos e morais da religião católica, tento (ohhh, pobre pecador…) cumpri-los no meu dia-a-dia, não cumpro para com as obrigações da Igreja. Os meus filhos não foram baptizados após o nascimento, ambos iniciaram a catequese, por nossa imposição, desde os 5 anos até ao seu baptismo. A Gena foi baptizada há 3 anos e, um ano depois, abandonou. O Manel será baptizado para o ano que vêm.
Algo empurrado pelas obrigações dos miudos, de forma bastante irregular, participo nas celebrações e vou a reuniões… muito irregularmente. Mas, acabo por achar interessante "ver" a celebração da missa com uns olhos totalmente diferentes daqueles de que me lembro em criança. Agora entendo, e tiro um sentido, das leituras das escrituras e da homília do padre. Agora entendo o significado dos diferentes rituais efectuados na celebração. Agora entendo o Credo, que dantes papagueava em coro com os restantes.
O Credo… por muitas vezes o tenho revisto e analisado, e me posicionei perante ele. O Credo diz tudo, é o que define um indivíduo como católico, apostólico e romano. É o que nos torna papistas! Eis então, o que sinto em relação ao Credo:
Creio em um só Deus,Pai Todo-Poderoso, Criador do Céu e da terra, de todas as coisas visíveis e invisíveis.
Sim, creio. Creio que pode existir um Deus, ou algo superior ao nosso entendimento, e que pode estar na génese deste nosso mundo, do universo… da nossa vida. Embora o "pode", não devesse ali estar!
Creio em um só Senhor, Jesus Cristo, Filho Único de Deus, nascido do Pai antes de todos os séculos:
Deus de Deus, Luz da Luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro;gerado, não criado, consubstancial ao Pai, por quem todas as coisas foram feitas.
E por nós, homens, e para nossa salvação desceu dos Céus. E encarnou pelo Espírito Santo, no seio de Maria Virgem e Se fez Homem.
Tambem por nós foi crucificado sob Pôncio Pilatos; padeceu e foi sepultado. Ressuscitou ao terceiro dia, conforme as Escrituras; e subiu aos Céus,onde está sentado à direita de Deus Pai. De novo há-de vir cheio de glória, para julgar os vivos e os mortos; e o Seu Reino não terá fim.
Sim, creio… mas com mais dúvidas! Jesus pode ter sido a encarnação de Deus da terra, vindo com o propósito da salvação da humanidade. Passando ao lado do "encarnou pelo Espírito Santo no seio da Virgem Maria", que abordarei a seguir, o resto é história e também creio. Mas, uma vez mais o tal "pode"…
Creio no Espírito Santo, Senhor e Fonte de Vida que procede do Pai e com o Pai e o Filho recebe a mesma adoração e a mesma glória. Foi Ele que falou pelos Profetas.
Pois, é aqui… Aqui é mesmo preciso fé. Fé a sério, e é isso que me falha. Não creio no Espírito Santo, luz, centelha divina, que habita em nós. O conceito de Espírito Santo sempre me escapou, nunca o fui capaz de abarcar. Não, não creio…
Creio na Igreja Una, Santa, Católica e Apostólica. Reconheço um só Báptismo para a remissão dos pecados.
E espero a ressurreição dos mortos e a vida do mundo que há-de vir. Amen!
Não creio na ressurreição dos mortos… definitivamente, não creio!. Se… Se existe uma outra vida, em comunhão com Deus, além desta, será sempre num outro sítio.
Dito isto, afinal sou "meio-católico"… ou não sou nada, como já me disseram! Falta-me a Fé.
Tendo feito esta declaração de princípios, vamos ao que me trouxe: O Papa e a sua eleição.
Em primeiro lugar: o "tempo" da Igreja (e do Papa), não é o nosso "tempo". O seu "tempo" é quase intemporal. O que para nós é uma vida, para a Igreja é um dia. O que para nós são 100 anos de progressos e evoluções, a que nos temos que adptar, para a Igreja é uma breve fase da sua história, que terá que ultrapassar como melhor souber, sabendo que mais mil fases iguais (ou completamente diferentes) a esta aí virão. Se a Igreja sobrevive desde há quase 2.000 anos é por manter esta postura, a que muitos chamaremos dogmática e conservadora, mas que serve de pilar fundamental da nossa sociedade nos seus piores momentos. Se a Igreja se procurasse adpatar a todas as novas marés de ideias e correntes de opinião, que vão surgindo nesta nossa viagem vertiginosa, deixaria de ser a Igreja e passaria a ser uma qualquer associação cultural ou profissional, no fundo um partido político como qualquer outro. E para partidos políticos a correr atrás da última ideia fracturante, os que temos já nos chegam.
E cometeu erros, pois claro… sempre são 2.000 anos, alguns muito graves. Mas de erros iguais, está a história de todos repleta.
Em segundo lugar: A mudança de nome do cardeal, ao ser eleito Papa, não é só um acto simbólico. No fundo quer dizer exactamente isto: o Cardeal Joseph Ratzinger morreu e nasceu o Papa Bento XVI. Não se deve inferir o vai fazer o novo Papa, por aquilo que fez o velho Cardeal, apesar de ser a mesma pessoa. O comportamento e atitude de um homem da Igreja perante o mundo, depende muito das funções que exerce. O padre Ratzinger participou, e foi um dos teólogos mais "revolucionários", do tão propalado Concílio Vaticano II que abriu a Igreja Católica ao mundo. Nesse tempo era professor de teologia na vanguardista Universidade de Turbingen, na Alemanha. Estavamos nos anos 60. O Cardeal Ratzinger foi o prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, cuja função é zelar por manter a "pureza" da doutrina e evitar que novos conceitos, ainda não completamente estebelecidos e compreendidos, sejam julgados como fazendo parte da doutrina. E aí ele é conservador, dogmático e injustamente apelidado de Inquisidor-Mor. Estavamos nos anos 90. O que o Papa Bento XVI irá fazer, ninguém faz a mínima ideia. Por isso, e quanto a mim, qualquer juízo formulado agora, é precipitado.
Em terceiro, e último, lugar: o que mais me espanta é que o maior coro de vozes críticas e ofendidas venha de assumidos ateus, agnósticos ou católicos "nunca-praticantes". E de dirigentes de associações em nada relacionadas com a Igreja Católica. Invocam a influência do Papa no mundo…pois bem, mas nunca vi o Papa ou qualquer bispo, fazer declarações de imprensa a proclamar que o eleito presidente da Internacional Socialista é demasiado vanguardista!
Em complemento a este terceiro ponto, deixo dois testemunhos:
Como bom protestante que sou, setenta e cinco por cento do meu corpo é água e os restantes 25 anti-catolicismo plasmático. Mas ontem ao deparar-me com a consternação das boas consciências perante a escolha do novo Papa eu juro que senti ânsias em ser romano.
By Tiago Oliveira Carvalho, in Voz do Deserto
Entendo e concordo com pessoas como o bispo D. Januário Togal Ferreira, para as quais seria preferível a nomeação de um Papa da América latina ou outras latitudes. Ele sabe do que fala. O que não faz sentido é ateus e agnósticos ficarem "ofendidos" com a nomeação de Ratzinger.
By Vitor Rainho, in Expresso
PP: Crucifiquem-me… comecei a ler O Zahír, do Paulo Coelho. Disseram-me que me retrata!
PPP: Calhou hoje ouvir num filme, de raspão, uma das frases mais brilhantes que conheço, em inglês: …And if lovers stay together, it is not because they forget, it is because they forgive!
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