4 de dezembro de 2003

Página de Diário (mais uma)

Os 3 problemas do SNS de saúde português, problemas aliás parecidos com os de outros sistemas nacionais, são estes:

manutenção de um órgão que coordena e defende o poder de mercado dos médicos contra aquilo que é mais útil na perspectiva dos seus clientes, isto é, contra a concorrência que faz baixar preços e aumentar a qualidade;

ideia errada de que quem sabe gerir um hospital é um médico: um médico sabe fazer aquilo para que estudou, isto é, curar ou tratar, um gestor é que estudou para saber gerir organizações;

ideia errada que as pessoas são melhor servidas por um hospital público que não precisa de prestar contas a ninguém por pior que seja a sua qualidade do que por um hospital privado que se for mau, pura e simplesmente não terá clientes.


Todos os especialistas sofrem quando encontram leigos a falar da sua especialidade. Ser psicanalista e ouvir os outros a falar de amor é irritante, ser historiador e ouvir os outros a falar de religião é cómico, ser advogado e ouvir os outros a falar de leis é entediante, ser economista e ouvir os outros a falar da qualidade dos hospitais ou da qualidade da televisão ou da inflação ou do desemprego ou de tudo o que é muito importante - é geralmente, de se puxar os cabelos.

Eu confio em especialistas desinteressados, tal como confio quando me dizem que sól sustenido e lá bemol não têm de ser a mesma coisa. Não confio é nos especialistas que sabendo muito mais do que eu em certa matéria acham que me podem enganar em assuntos que são transversais a todos os especialistas e a todos os leigos e que interessam realmente a todos. Essa atitude é ainda mais irritante do que aquela dos que acham que só por terem mais experiência do que os outros conhecem mais do que os outros. Entre ter experiência e ser capaz de produzir conhecimento válido a partir dessa experiência vai uma grande distância.

Por último, é terrível quando eles nos dizem que sabem mais dos nossos interesses do que nós próprios. Quem sabe dos interesses dos doentes não é nem a Ordem dos Farmacêuticos nem a Ordem dos Médicos, são os próprios doentes que sabem se querem remédio de marca ou remédio sem marca, se querem ser tratados pelo médico com muito prestígio que por tanto prestígio ter pode dar uma consulta e observar um cliente sem se levantar da cadeira ou se querem ser tratados pelo médico que não é famoso e se calhar até é imigrante ilegal mas cobra um preço mais barato e está muito empenhado em não perder o seu cliente.

Ricardo

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