2 de novembro de 2003

A propósito do dia dos mortos...

...eu venho vos dizer que continuo vivo (se bem que não são poucas as horas em que duvido) e chutando, e sendo chutado, enfim: sigo vivendo. Tenho que pedir perdão pela prolongada ausência. As razões? Uma falta de tempo; uma crise de acídia; e a nossa equatorial preguiça. É que agora, aqui abaixo, é primavera, ou seria, se aqui existisse primavera - o que há é calor e chuvas que vão aumentando, até a alternância entre sufocações e dilúvios que é o que chamamos de verão. Isso nos prostra, amigos; isso nos aplastra.

Mas vêde: aqui o dia dos mortos é o dois de novembro. Que para mim começa daqui a pouquinho, porque a meia noite ainda não veio. É o dia de finados, dia em que sempre chove aqui em São Paulo, e que seria feriado se não fosse, azaradamente, cair num domingo. Nunca fui ao cemitério nesse dia, e olhai que mortos é que não me faltam: venho de família grande, italiana, gente propensa ao câncer e a sufocar-se apoplética na própria maldade. Temos um jazigo no cemitério da Quarta Parada (por que não é Última Parada? certamente para não acrescentar anedotas à dor), cemitério que não é assim um Père Lachaise, mas serve a seu fim, que é enterrar gente e evitar o chorume. Lá estão minha avó, meu pai, tios e tias, um primo. Bem podia eu ir dizer-lhes alô, como vão, que tal é aí abaixo, no escuro e no fedor. Mas não vou. Decerto por timidez. Além do que, são dois ônibus e um metrô, muita viagem para curta conversa.

Lembro-me de quando enterrei todos eles. Esse meu primo morreu precisamente com a idade que hoje tenho, trinta e seis. Morreu do coração, como ameaço eu morrer. Coincidências, ou uma sina dos Tosetto? Meu pai se foi pelo coração também. Apopléticos, avermelhados, italianos assando nos trópicos. Que destino o nosso. Enfim, talvez eu morra. Que digo? Morro decerto, inevitavelmente.

Mas, por enquanto, sigo vivo, e a vos pedir desculpas. E a prometer assiduidade doravante. Ao menos aos finais de semana, que nos chamados "dias úteis" torno-me positivamente inútil, para nada presto a não ser trabalhar como doido, ver aulas e adormecer no metrô.

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