27 de outubro de 2003

Sem nada.

Dias e dias e mais dias. Uniformidades. Manhãs que se vestem de noites. Horas que voam sobre nós. Carecidas de objectivos. Divagam
Entrelaçam-nos. Escondem os sentidos.
Há alguém a correr aqui dentro. Ouço-lhe os passos rápidos. Sinto uma aragem espavorida. Algo que toca e não reconhece.
Que afugenta e que foge. Alguém. Há alguém.
Eu sei que existe.
Está mas tantos e tantos mas. Sinto a correria frenética. O medo de se expôr. Fundamentalmente impera o medo de ser magoado.
É um ser frágil que recolhe as asas.Evita o sol. Evita o vento. Vive a correr pelo sombreado das coisas . Ignora ruas conhecidas. Foge dos laços. Recusa-os.
Eu sei que ele está comigo. Enche-me os olhos por vezes. Então chega toda a dor do mundo.
Doi-me então o olhar de sentir tanto o que não deve ser sequer pressentido.
Quem o criou, porra, quem o criou? quem o fez aparecer?
Porque nada, mas nada, o pode explicar. É toda a inquietação. É todo um sistema próprio de perguntas sem resposta. É ele que não me deixa falar. Perito em criar nós na garganta . Deixa que o corpo fale mas despoja de sentido o que ele diz.
Faz-me correr com ele e por vezes deixa-me pousar e afrouxar. Mas eu conheço-o. Está sempre vigilante.
Permite porém tudo, porque afinal nada me é consentido.
É assim que sou.
Vem-me daí esta energia meia febril que por vezes quero entorpecer. Adiar. Esconder. Remeter para ignorar.
É compulsiva essa força. Invade tudo. Tem uma componente que carece de equilibrio porém encontro-a naqueles que são meus iguais por afecto.
E aí vem a serenidade. A calma. A paz. Encontra-se no sol. Em coisas simples. No sorriso do meu gato. Noutra mão que se estende e socorre a nossa.
Ao mexer nisto tudo sinto que saiem palavras torcidas, quase a ferros. Incomoda-me o estar a escrever mal. Irrito-me. Fumo um cigarro. Adio cada letra e cada ponto.Mas as palavras ganham vida e saltam de mim.
Aí surge outra máscara. é o ser comedido e calmo que consegue dar e ser. Que conhece o valor da doçura e da ternura e a sua transitoriedade.Que as preza. Que as guarda para sempre dentro de si.
É como se o negativo devolvesse a vida e a transformasse em prazer puro.
O verso e o reverso.
Só isto.

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