12 de maio de 2010
o gac muitos anos depois
passados mais de 30 anos do seu final enquanto grupo, os discos do gac voltaram a ser reeditados com novas misturas a partir das gravações originais e com os créditos aos autores.
ouvir os discos com mais de 30 anos de diferença dá-nos o distanciamento necessário para deles falar sem outros pressupostos que não apenas... os discos.
há 30 anos seguramente não escreveria este texto, nem escrever sobre o gac foi coisa que ao tempo me passaria pela cabeça.
não que o grupo em si não o mereça, ou que muitos dos seus integrantes não o mereçam também.
a proximidade e o simultâneo afastamento que temos com alguns projectos levam a que a visão que temos deles não seja de todo independente.
ao tempo, ser do mrpp ou da udp não era coisa que desse uma convivência muito salutar.
por muito que alguns dos seus membros fossem (e são) 'amigos do peito'.
passados 30 anos, voltar a ouvir estes discos (um fim de semana a ouvir as novas misturas em cd e hoje a ouvir os vinis tal como foram editados), fazem-nos lembrar a generosidade, a entrega e a vontade de fazer coisas e de lutar pelas nossas ideias.
se do ponto de vista dos textos algumas coisas hoje não façam, felizmente, sentido, muitas outras há que podiam e deviam ser cantadas a plenos pulmões.
mas é na linguagem musical que o trabalho do gac é mais intemporal.
o gac, como foi conhecido, resulta da união do josé mário branco com um grupo de membros do coro da juventude musical portuguesa (que entretanto se tinha separado em dois grupos, basicamente o grupo udp e o mrpp), mesmo que muitos dos seus membros tenham vindo de outros locais.
antes disso teve uma fase de colectivo de acção cultural que pouco durou e nunca fez nada de colectivo, logo nunca existiu, tais as divergências entre os seus membros.
e foi precisamente a confluência de experiências mais ligadas à tradição da canção da linha do zeca (para simplificar as influências) e da etnomusicologia que deu a vitalidade musical do gac.
se os textos eram agit-prop, a música assentava em séculos de tradição oral misturada com as influências urbanas mais combativas.
a própria forma de colocação da voz influenciada pela música tradicional que, os que tinham vindo da juventude musical já trabalham há muito, dava credibilidade.
a riqueza do gac, e a sua longevidade num processo infelizmente curto, resulta também dessa mistura de influências que, por exemplo, a outra metade dos ex membros da juventude musical portuguesa agrupados no almanaque não tiveram já que se mantiveram fiéis apenas ao legado da música tradicional (e os que depois saíram do almanaque para o horizonte é vermelho, interessados num estilo mais 'combativo' imediato, fizeram por esquecer esse legado da tradição popular).
e são precisamente essas canções em que a influência da tradição popular é mais forte que hoje estão mais actuais.
a intemporalidade resiste às modas.
voltarei a este assunto, mas para já recomendo que oiçam (ou voltem a ouvir) aqueles discos, agora que o trabalho musical está muito mais valorizado.
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4 comentários:
o tempo, ser do mrpp ou da udp não era coisa que desse uma convivência muito salutar.
por muito que alguns dos seus membros fossem (e são) 'amigos do peito'.
esta não percebi porque
afinal foi salutar porque são ainda amigos do peito
ai GAC GAC estarão actuais como o FMI do José Mario Branco ?
José Mario Branco tem composições e letras absolutamente formidáveis. Muito actuais.
José Mario Branco tem composições e letras absolutamente formidáveis. Muito actuais.
caro luís maia,
'ao tempo' ser do mrpp e da udp não dava uma convivência salutar, pode ter a certeza.
os muitos confrontos na rua, de que o mais triste foi o assassínio de alexandrino sousa no terreiro do paço, são disso exemplo.
os meus amigos do peito já o eram antes de 74 e continuaram depois, não obstante esses anos (e não por causa deles).
fizemos muitas coisas em comum e outras em separado, como toda a gente faz.
a questão da actualidade é 'outro filme'.
o que refiro sobre a actualidade musical do gac e uma menor actualidade política é uma coisa normal, já que muitas das canções tinham uma função de intervenção nos acontecimentos.
mesmo as canções do zé mário para o gac eram diferentes das canções do zé mário para.. o zé mário. o que é absolutamente natural: são tempos e modos diferentes de abordar as questões.
é essa a questão que coloco relativamente aos dois grupos onde estive, o almanaque e o horizonte é vermelho (continuando a concordar com as opções naquela altura): a intemporalidade de uns fez com que fossem (muito bons) reprodutores da tradição oral, o imediatismo dos outros fez com que fizessem canções que passado o momento para que foram feitas (foram feitas com essa intenção), hoje soem demasiados datadas.
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