22 de outubro de 2008

O ÚLTIMO FAROLEIRO DE MUCKLE FLUGGA




Por hoje terá que dizer que não compra livros só pelos começos, ou pelas capas, também pode comprar livros pelos seus títulos. Aconteceu uma vez e o livro chamava-se “O Último Faroleiro de Muckle Flugga” de Mário Cláudio. Por sinal até tem um bonito começo: “Com os cotovelos da camisola gastos por se apoiar no balcão de linóleo, levantando a caneca de lager, e os fundilhos dos jeans puídos por se suster no banco do costume, à espera da tarde ou da noite de inopinada maravilha, decidiu que se impunha, que diabo, radicalizar a mudança de vida. Persistia a chuva de Aberdeen que molha profundamente, ainda quando não parece cair, e tardava a Primavera mais do que seria admissível, pondo a doer, de tão imobilizadas, as ubiquas lâmpadas de vapor de mercúrio.”

Mas foi pelo título que comprou o livro. Desde que há muitos anos leu um texto sobre as Berlengas em “Os Pescadores” de Raul Brandão, ficou a pensar que um farol seria um belo sítio para viver: “Os homens devem ser felizes diante deste espectáculo sempre igual e sempre renovado.”
Leu depois num “Fugas” do “Público” que, desde o início da automatização das funções reservadas aos faróis, não só resultou o fim de uma profissão lendária como ainda o consequente afastamento de faroleiros e respectivas famílias das pequenas fortificações, deixando espaço ao abandono e destruição. Foi a partir deste cenário que a “Trinity House”, a organização responsável pela gestão dos faróis na costa inglesa, encontrou na reconversão e renovação dos faróis a hotéis ou casas de turismo rural, uma saída para a situação. Murmurou então que estava ali uma estupenda ideia para passar uns dias. Recortou o endereço - www.ruralretreats. co.uk - e lançou a ideia para o baú das viagens-que-queria-fazer-mas-que-nunca-irão-acontecer . Fica-se então a olhar para as falésias verdes e selvagens da Grã Bretanha, para aquela costa da Cornualha, onde o Alexandre Pinheiro Torres, num seu livro - “Tubarões e Peixe Miúdo” – pôs o José Cardoso Pires a apanhar o seu primeiro tubarão-azul, para os faróis a brilharem nas noites de nevoeiro e aqueles filmes antigos (“A Pousada da Jamaica” de Alfred Hitchcock, por exemplo, mas há mais) em que bandos de malfeitores acendiam fogueiras, no alto dos penhascos, para os barcos irem ao engano, naufragarem e serem pilhados.
Toda a sua imaginação é literária ou cinematográfica. Consegue ver todo o litoral da Grã Bretanha mas nunca esteve em Plymouth. Sente o cheiro e o calor de um bar irlandês sem nunca ter posto os pés em Dublin. Conhece a vastidão e a beleza do Wyoming através dos “westerns”, principalmente o “Shane”, filme de George Stevens, com o Alan Ladd e o Van Heflin.
Tudo isto pode acontecer porque não é impunemente que se tem como primeiras leituras Emilio Salgari e Júlio Verne e que os primeiros filmes tenham sido os de “indios e cowboys.

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