15 de julho de 2005

Erudições em noites de Verão (the last...)

Até que ponto aquilo que um povo é, em termos filosóficos, é expresso pela sua linguagem? Até que ponto, as grandes rivalidades entre povos, são provocadas pelas diferentes linguagens que usam?

A linguagem, como forma de comunicação, é uma das características fundamentais do Homo Sapiens e é, também, uma das mais ricas formas de estudar a evolução humana. Após milhares e milhares de anos de evolução, diferentes grupos de humanos desenvolveram, em diferentes pontos da terra, diferentes formas de linguagem. Essas línguas primitivas, essas formas de comunicar iniciais, revelam a maneira como esses grupos desenvolveram o seu modo de pensar, as suas crenças e culturas e o seu modo de agir. Por outro lado, acredita-se que a linguagem também condiciona a evolução do pensamento do grupo, ao favorecer o desenvolvimento dos conceitos expressos verbalmente desde sempre. Este é o dilema de Heidegger: é a língua que serve o pensamento ou o pensamento que serve a língua?

Quando, milhares de anos depois, estes grupos grupos se voltam a encontrar – com maneiras de pensar, culturas e linguagem diferentes – os choques são inevitáveis. E não me refiro ao défice de tradução… Os exemplos que vou referir, referm-se a povos que vivem, actualmente, em proximidade geográfica mas que desenvolveram modos de falar (e pensar) diferentes

As línguas Indo-europeias, presentes em quase toda a Europa, na Rússia, Pérsia e Índia apresentam duas características essênciais.
– A frase constitui-se agrupando palavras em torno do verbo que se relacionam com ele, directa ou indirectamente (habitualmente sujeito-verbo-objecto). A frase é uma sequência lógica de afirmações/negações em torno do centro, o verbo. Ou seja, estas línguas assentam na razão e na lógica.
- O verbo ser/estar é essencial na frase indo-europeia, de tal modo que praticamente nenhuma frase é construida sem estes verbos, de forma expressa ou implícita.
Estas características únicas, a que se chama centralização no sujeito e enunciação explícita, é a tradução do modo de pensar europeu/ocidental: racional, lógico e abstracto, em que o objectivo se opõe ao subjectivo (o homem pensa, o homem é!).Pode-se dar um pequeno exemplo com uma frase simples, comum para nós: O urso preto está na floresta.

Nota: Na península ibérica é onde o conceito de ser/estar é levado ao extremo. “Ser” usa-se para uma característica essencial e “Estar” usa-se para um estado ou condição temporária.

As línguas Uralo-altaicas, com algumas semelhanças às Indo-europeias, desenvolveram-se com os povos nómadas da estepe asiática. No presente, conhecem-se o turco, o húngaro, o mongol e o finlandês. Comparemos a características essênciais destas línguas
- A frase também se constroi a partir da sequência sujeito-verbo-objecto, mas é o sujeito, e não o verbo, o centro lógico da fase. O sujeito determina o verbo e este determina o objecto. A frase é uma sequência de constatações e determinações.
- O verbo ser/estar não tem relevância nestas linguas e é substituido pelos conceitos fulcrais destas línguas: “existe” e “não existe” (em turco “var” e “yok”)
Estas características, centralização no sujeito e constatação simples, exprimem também o modo de pensar destes povos nómadas: “constatativo”, determinista e concreto, em que não existe o subjectivo. O mesmo exemplo, dito nestas línguas, seria: Na floresta, urso preto existe.

Nota: Esta ausência do verbo ser/estar reflecte-se na inexistência do verbo ter. Não dizem eu (não) tenho um martelo, dizem o martelo meu (não) existe.

Finalmente, as línguas Semitas, presentes no médio-oriente, das quais a mais conhecida é o arábico. Observemos a duas características referidas.
- A frase constroi-se a partir da sequencia verbo-sujeito-objecto, mas o verbo não é importante e pode estar ausente ou implícto na frase. O cento da frase é a relação entre o sujeito e o objecto.
- O verbo ser/estar não existe e não é substituido por nenhum outro conceito. O sentido das frases, sem verbo, é apenas sugerido ao ouvinte
As caraterísticas das línguas semitas, intencional e de sentido desejado, são a real expressão do modo de pensar destes povos: simbólico, místico e concreto… embora o concreto seja referido de uma forma subjectiva mas intencional (confuso, não...?). A tal frase, dita em arábico, poderia ter a seguinte forma: Floresta negra, urso preto.

Nota: O arábico ainda tem outra característica completamente distinta da outras línguas referidas. Enquanto nestas as palvras se formam pela flexão de temas ou radicais (mar, maré, marear, marinheiro,…) no arábico as palavras formam-se pela flexão de uma raíz de consoantes (k.t.b significa escrever; Kátib é escriba e Kitáb é livro).

Finalizo com outra pequena comparação. A conhecida frase de Aristóteles – Ser como ser - que para nós tem todo o sentido, em uralo-altaico ficaria qualquer coisa como: Existência do ponto de vista de existir. Em arábico nem será possível a tradução.
E isto, talvez, explique muita coisa…

PP: Parece que os bombistas-suicidas de Londres eram ingleses muçulmanos, imigrantes de segunda geração e aparentemente integrados. E da classe média, não sujeitos ao maléfico“imperialismo” ocidental. Não soa estranho?

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