Toca a campainha. É um senhor. Mais de sessenta, certamente. Moreno. Traz um avental azul, desbotado, um pouco puído; e uma enxada.
- Quer que eu dê uma carpida aí no mato?
Cresce um matinho nas rachaduras da calçada aqui em frente; ultimamente tem chovido, tem feito calor, as folhas se espicham e se espalham.
- Não quero pedir. Quero trabalhar.
- Tá certo. Quanto você quer?
- Dois reais (uns setenta centavos de euro), e se o senhor me der uma sacolinha eu ajunto o mato e ponho ali na sua lixeira.
- Feito.
Dou os dois reais e a sacolinha. Ele carpe.
* * *
Às vezes vêm pessoas pedir comida. Não dinheiro: comida.
- O que o senhor tiver já ajuda.
Dou. Sempre dou. Negar comida é o fim do mundo. De outra vez é uma mulher, com uma menina de colo:
- Só um real, senhor, pra eu pegar o ônibus.
Dou o real. A menina, limpa, ri e me faz festinha.
- Como é o nome dela?
- É Mariana.
- Que linda que você é, Mariana!
E a gengivinha sem dentes se arreganha, rindo até em cima. Quando vai embora, dou "tchauzinho", e ela ainda ri, tentando devolver o gesto com os dois braços - coisa de nenê.
* * *
Dir-se-á que se pode fazer muito mais do que isso. Mais: que se deve fazer muito mais do que isso.
Concordo. Não me orgulho desse pouco, nem me defendo. Faço o que posso, vou até onde consigo, ando com as pernas que tenho.
Não acredito em Deus, ou deuses. A menos que os dias, que se sucedem, façam-lhes as vezes.
Sou, como todos, menor que tudo.
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