26 de dezembro de 2008
À LAREIRA, QUE NÃO TEM
"Amigo Gin-Tonic, no Rio de Janeiro a temperatura é feliz. Muito calor, como eu gosto. Uns trinta e tal graus. Positivos, claro, que aqui o negativismo é engolido pelas ondas do mar.Daqui a pouco estarei na praia. E amanhã também.”
Assim se expressava, por mail ,o Pedro de Freitas Branco que trabalha no Rio.
Não consegue imaginar um Natal sem frio. Possivelmente as outras partes do globo, onde o tempo é outro, também não entendem um Natal sem praia, biquini, óculos de sol..
O Natal traz-lhe sempre a ideia de frio, de lareiras. Sempre que se senta frente a uma lareira ,ocorre-lhe o título de um livro, póstumo, do Manuel da Fonseca, “À Lareira, Nos Fundos da Casa Onde O Retorta Tem o Café”, pela cadência que transmite, a lentidão das conversas em redor do lúmi ou o suave silêncio que, por vezes, é bem melhor que as faladuras.
Não tem lareira mas gostava de ter. Não tem terra, nasceu em Lisboa e procura na terra dos amigos esse cheiro antigo. Tornou-se um peregrino das lareiras dos amigos, tira-lhes fotografias.
Percorreu os natais suficientes para saber de ciência certa que nunca lhe aparece no sapatinho o que queria. Sonhou discos e livros, filmes também, uma caixa de esplêndidos, robustos Cohiba, algumas garrafas de gin, mas que ninguém se atreve a oferecer, escudados naquele princípio de, dizem, o mais certo é teres tudo, ou então são coisas que fazem mal à saúde. Também não considera isso muito importante.
Por isso, todos os anos, toma as suas precauções e oferece-se a si mesmo as costumeiras prendas, as que nunca lhe provocam o que quer que seja: nem surpresa, nem desilusão.
Este ano ofereceu-se “The Dead”.de John Huston. Já viu o filme duas ou três vezes mas é bom tê-lo à mão. Aquele jantar de Natal que reúne a Gente de Dublin com que John Huston se despediu do número dos vivos. Foi numa cadeira de rodas, com uma garrafa de oxigénio ao lado, que o filme foi rodado. Morreu entretanto e seria um dos seus filhos a terminar o filme.
Pensa que não haverá outro jantar como aquele na história do cinema. Só mestres são capazes destas coisas. “Festa de Babette” à parte porque isso é uma outra história. Talvez o jantar na colónia francesa no “Apocalypse Now”, versão remix, se assemelhe um pouco. O jantar em que Coppola exigiu que os vinhos estivessem à tempartura em que devem ser bebidos.
Reviu, pois, o filme. Imaginou a lareira que não tem, mas gostava de ter. Sentar-se-ia em frente, um charuto, um gin. Folhear um livro ao acaso, talvez “Memorial do Convento”, largamente sublinhado, reler algumas passagens, talvez esta:
“… só uma mulher que está deitada num restolho com um homem em cima de si, cuida ver qualquer coisa a passear no céu, mas julga serem visões próprias de quem está a gostar tanto.
Se bem se lembram, estavam a ser sobrevoados pela Passarola de Bartolomeu de Gusmão.
______________
A lareira da foto é do Damião, na sua casa de Avelãs da Ribeira, ao pé da Guarda. A geringonça onde o bacalhau assa é óptima porque permite colocar a grelha mais perto ou longe do lume. Foi comprada num mercado semanal em Vila Nova de Cerveira. Um espectáculo!
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6 comentários:
algumas coisas aqui neste post do gin me fazem lembrar que:
1.
não fumando, devia ter oferecido as duas caixas cheias com cohibas, montecristo, partagas, 1866 e avo, dados pelo próprio e não as ter deitado fora quando descobriu que estavam impróprios para serem fumados fosse por quem fosse.
2.
que o manuel da fonseca, sendo o 'escritor de 200 palavras', foi dos que melhor lhe souberam ler e aquele lhe fez começar a ler um livro num autocarro que descia deste o alto da ajuda e só o largou quando já estava na cama em casa.
impossivel de largar aquele 'seara de vento', nos idos de 1969.
3.
que o último filme do john houston é o seu mais sublime filme.
o seu testamento.
aquele em que sabendo que iria morrer sem o concluir mas que queria ser o seu último filme, chama o filho para assistente de realização para o poder terminar, e a sua filha para lhe dar cara.
como a 'moral' da história do 'morto', por vezes não são as pessoas que connosco atravessam a vida que nos deixam as marcas mais indeléveis. quem diz pessoas, diz coisas, diz momentos, diz filmes, diz livros.
4.
e o apocalipse now.
aquele filme que nos mostra o que valem os óscares. o filme que nesse ano ganhou o óscar de melhor filme foi aquela coisa do kramer vs kramer.
o apocalipse now perdeu os óscares mais ganhou a imortalidade como um dos melhores filmes de sempre. principalmente na chama edição remix.
Fantástica, a ideia da "engenhoca" para assar o bacalhau. As cozinhas tradicionais do Norte, sobretudo as de Trás-os-Montes, com a lareira onde todos se reunem, trazem ao fogo o sentido de acolhimento e convívio.
Quanto a Manuel da Fonseca, ainda o recordo numa ida à escola de Mafra, onde então leccionava. Já ouvia com dificuldade, o que não impediu uma excelente comunicação com os jovens que ficaram entusiasmados. Os relatos de então deixaram-nos fascinados, sobretudo um do ritual de banhar os mais novos, mergulhando-os em número ímpar de vezes, nas águas de Sines, para afastar doenças comuns na infância.
Relativamente às referências cinematográficas, a maravilha para os sentidos continua a ser a Festa de Babette - imagens diferentes por nos mostrarem vivências tão distantes das nossas num registo ficcional de magia, continuam a ser os de culto:)
Algumas coisas aqui neste comentário fazem com que diga:
1 - Um arrepio fininho, mas acutilante, pela espinha abaixo por saber desses charutos perdidos. É de opinião - a ignorância é sempre atrevida - de que um charuto cubano resiste a tudo e mais alguma coisa. Para ele nunca perdem o prazo de validade. É de um tempo em que comprava ciagrrilhas "Alto", avulso, 2$50 cada, na capelista da rua. Só muito mais tarde soube da alegria de um charuto cubano.
2 - "Seara de Vento" é um livro levado do diabo, principalmente no tempo em que o lemos. A minha leitura deve datar de 1967. "Digam à minha neta! Digam-lhe que ela tem razão! Um homem só não vale nada."
3 - "Sublime" é a palavra exacta, Carlos
4 - Por essas e por outras é que os oscars não contam para a história do cinema. Felizmente!
Pois é, Teresa, uma engenhoca extraordinária. O bacalhau assado fica no ponto ideal. Nem crú, nem queimado. Se bem que até gosta de comer bacalhau crú.
Quanto ao Manuel da Fonseca, para além de outras coisas, um extraordinário contador de histórias.
caro gin,
temo que a minha afirmação anterior seja razão para nunca mais me falares na vida.
no entanto, e em minha defesa tenho aquela coisa de com algumas idas a cuba e outras ofertas plenas de generosidade, a quantidade de charutos com que fiquei em casa em manifestamente demais para alguém que não fuma.
e com muita pena minha (seguramente acharia algum 'voluntário' para ficar com as caixas, achei que não estavam em condições de serem usadas (dirás tu que um não fumador não tem direito a pronunciar-se sobre puros e eu acharei que terás razão).
Era o que faltava!...como se isso fosse razão para deixar de se falar a quem quer que seja.
Mas se voltar a existir um "sockzinho" de puros coloca-o junto à livralhada.
Pode ser que numa noite de Inverno um viajante dos "Dias Que Voam" passe por Fajão...
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