'uma coisa leva a outra', diz-se a propósito de muitas coisas e muitas vezes como desculpa para as menos recomendáveis.
este ano o 'curtas' de vila do conde passou uma espécie de compilação de filmes de ficção científica sob o título genérico de 'back to de future' onde está incluído o único filme pornográfico a que assisti.
por nenhuma razão especial, e muito menos por qualquer razão moral, nunca fui adepto de ver os outros fazer coisas que gostaria de estar a fazer.
mas adiante.
nos idos de 74/75, o odeon passou um filme baseado num dos mais famosos personagens da banda desenhada de ficção científica (ou antecipação, como alguns preferiam chamar para não copiar directamente para português a expressão criada por hugo gernsback na sua 'wonder stories').
flash gordon foi um dos heróis de topo na banda desenhada de ficção científica, filha dos pulp magazines e mãe dos comic books.
em 1974, michael benveniste e howard ziehm realizam um filme soft porno (aquilo visto à distância mais parece bollywood porno) com base nas personagens do mundo de flash gordon.
o filme, resumidamente, é sobre o vilão imperador wang, do planeta porno, que ataca a terra com os seus poderosos raios de sexo.
apenas flesh gordon, a sua namorada dale ardent e o professor flexi-jerkoff (não consigo impedir o riso de cada vez que me lembro do nome deste eminente professor) conseguem lutar contra estas poderosas armas do mal que levam a que os habitantes da terra se dediquem compulsivamente... ao prazer.
obviamente que o filme perde toda a sua piada se não se estiver familiarizado com o mundo de flash gordon.
o interessante aqui é ver um filme de produção ultra barata, com efeitos especiais de 15ª categoria e umas patéticas armas com formas fálicas se transforma num objecto de culto 35 anos depois.
mas os cultos são coisas facilmente inexplicáveis, e as recorrências à banda desenhada também.
quando li a notícia do flesh gordon em vila do conde, tinha acabado de ver, no bed-in de fajão o filme 'american splendor.
'american splendor' é um dos comics mais famosos para os amantes do género catalogado na sub-secção 'underground'.
e é-o recorrendo aquilo que é mais difícil recorrer para se tornar notado: a rotina diária de um americano a quem não acontece nada de especial e que um dia, precisamente por isso, decidiu escrever sobre si próprio.
harvey pekar, farto de só ter azares na vida e de nenhum desses azares ser uma coisa interessante, decidiu que, tal como o seu amigo robert crumb, havia de ganhar dinheiro e mulheres com aquela coisa dos livros com desenhos.
como não sabia desenhar e a sua vida, contada, daria para adormecer um jogador de futebol do boavista no ano em que foram campeões (para quem não se lembre, o nível de cafeína no sangue era absurdamente elevado e a direcção do boavista dizia que eles bebiam muitos cafés...), achou mesmo que o melhor era falar sobre coisa nenhuma (a sua vida) e pedir ao amigo robert crumb que ilustrasse o vácuo.
e o que é impressionante neste american splendor é, se por um lado, o mais difícil é escrever sobre o dia a dia que realmente temos e não sobre as ficções que teimamos em acreditar que a vida é, por outro, quando isso é bem feito torna-se particularmente interessante.
e o 'movie' respeita o 'comics'. até na estética.
foi uma espécie de reality show na versão desenhada, e contada pelo próprio.
é este contar do dia a dia na primeira pessoa que, pela dificuldade de tornar isso um assunto interessante para outras pessoas, pode distinguir um excelente artista de um menor.
é isso que faz de forma sublime seasick steve.
nos últimos tempos tenho andado a ouvir de forma compulsiva dois cd's do seasick steve:
cheap , o seu primeiro album, é sobre o tempo que viveu sem abrigo e de como pode ser barato viver com aquilo que se deita absurdamente fora.
o tempo em que habitava nas traseiras de um supermercado junto à saída de ar quente das câmaras frigoríficas, alimentando-se dos produtos que todos os dias eram atirados para os contentores de lixo.
a sua primeira obra era logo sobre o tempo imediatamente anterior quando tocava pelas ruas para não morrer à fome.
i started out with nothin and i still got most of it left é o resumo de 4 anos de vida (o primeiro disco é de 2004 e o último de 2008): começou sem nada e continua sem coisa nenhuma.
seasick steve é um músico fabuloso, um guitarrista excepcional, um contador de histórias único.
façam um especial favor a vocês: oiçam-no !!
e aqui os tubos:
seasick steve, save me, na sua 1 string diddley bo', a espécie de guitarra com 1 corda e lata de feijões amplificada
7 comentários:
No meio das diversas bifurcações ferroviárias (remetendo também as mesmas para comboios, verde das pradarias, música country, etc.)e uma certa dificuldade de concentração depois de escrever coisas mais 'austeras', o que salta de imediato à vista no post é o traço da BD 'esplendorosa', bem como o instrumento improvisado do ex-homeless do vídeo. Este último, fez-me 'bifurcar' para o professor V. Flusser (brasileiro de origem alemã, com 'sede' na escola de música em Estrasburgo). O professor (que terei o gosto de conhecer em breve) construíu a sua casa a pensar previamente nas divisões onde guarda os mais incríveis (digo eu, uma leiga, mas já vi inúmeras fotos) instrumentos que tem fabricado ao longo dos tempos (a idade é considerável, logo o espólio é proporcionalmente directo). Como dá formação a um jovem da minha família, não me deixo de surpreender com a aplicação de tudo isto (sons de vento, de água que corre, de pássaros, trânsito, multidão, etc.), já tendo colegas meus aproveitado a mais-valia numa oficina de formação lá pelo burgo a fim de aplicarem muitas das potencialidade numa peça de teatro, e a coisa resultou de uma maneira espantosa. E 'prontos' lá foi mais uma derivação espontânea após leitura (mais ou menos) diagonal do post.
estamos a falar de victor flusser, especialização na terapia ocupacional através da música para idosos?
Sim, o próprio:) Também responsável máximo por todo o projecto da 'Música nos Hospitais' que, já vi gravado em videos familiares e num documentário que passou no Odisseia.
o 'homem' é uma legenda...
há pouco tempo estive a ler um texto dele:
http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v42n1/10.pdf
... infelizmente recorro à plataforma Scielo por questoes mais 'secantes' e, como tal, desconhecia, mas nao só o VF é uma'legenda', será mesmo uma verdadeira 'legenda aurea' e, felizmente, recuperou de um problema muito aborrecido de saúde . Conto em breve ter o gosto de o conhecer (se calhar vou ser saloia e pedir-lhe um autógrafo, envergonhando os jovens da família, mas também ele insiste em lhes oferecer um cao e eles nao querem... será a minha 'maldade'):D
cheguei ao 'homem' pela música, genericamente.
e por gostar de conhecer coisas inúteis para mim (não trabalho com idosos nem com doentes: apenas quando eu estou doente e faço algum trabalho para mim).
talvez por isso eu goste de escrever sobre coisas que interessam vagamente a umas... 2 pessoas, no mundo
Só para concluir: o trabalho - por cá tb existe o projecto - nao tem nada a ver com 'caridadezinha', é fascinante ver os músicos e cantores (tao bons, tao bem seleccionados) a entrar nas enfermarias e a tocar/cantar e a expressao dos doentes (de todas as idades, até com meses de idade...) ou dos idosos do lar de Marvila (e nao sei se em mais algum na cidade e arredores) é melhor do que qualquer compensaçao material. Alguns, mesmo mal conseguindo falar, sao receptivos e acompanham a música, ficam radiantes.
Enviar um comentário