16 de julho de 2009

pague 1, leve 3

ou os postes são como as bifurcações ferroviárias

'uma coisa leva a outra', diz-se a propósito de muitas coisas e muitas vezes como desculpa para as menos recomendáveis.

este ano o 'curtas' de vila do conde passou uma espécie de compilação de filmes de ficção científica sob o título genérico de 'back to de future' onde está incluído o único filme pornográfico a que assisti.
por nenhuma razão especial, e muito menos por qualquer razão moral, nunca fui adepto de ver os outros fazer coisas que gostaria de estar a fazer.
mas adiante.
nos idos de 74/75, o odeon passou um filme baseado num dos mais famosos personagens da banda desenhada de ficção científica (ou antecipação, como alguns preferiam chamar para não copiar directamente para português a expressão criada por hugo gernsback na sua 'wonder stories').

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flash gordon foi um dos heróis de topo na banda desenhada de ficção científica, filha dos pulp magazines e mãe dos comic books.
em 1974, michael benveniste e howard ziehm realizam um filme soft porno (aquilo visto à distância mais parece bollywood porno) com base nas personagens do mundo de flash gordon.
o filme, resumidamente, é sobre o vilão imperador wang, do planeta porno, que ataca a terra com os seus poderosos raios de sexo.
apenas flesh gordon, a sua namorada dale ardent e o professor flexi-jerkoff (não consigo impedir o riso de cada vez que me lembro do nome deste eminente professor) conseguem lutar contra estas poderosas armas do mal que levam a que os habitantes da terra se dediquem compulsivamente... ao prazer.
obviamente que o filme perde toda a sua piada se não se estiver familiarizado com o mundo de flash gordon.
o interessante aqui é ver um filme de produção ultra barata, com efeitos especiais de 15ª categoria e umas patéticas armas com formas fálicas se transforma num objecto de culto 35 anos depois.

mas os cultos são coisas facilmente inexplicáveis, e as recorrências à banda desenhada também.
quando li a notícia do flesh gordon em vila do conde, tinha acabado de ver, no bed-in de fajão o filme 'american splendor.
'american splendor' é um dos comics mais famosos para os amantes do género catalogado na sub-secção 'underground'.

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e é-o recorrendo aquilo que é mais difícil recorrer para se tornar notado: a rotina diária de um americano a quem não acontece nada de especial e que um dia, precisamente por isso, decidiu escrever sobre si próprio.
harvey pekar, farto de só ter azares na vida e de nenhum desses azares ser uma coisa interessante, decidiu que, tal como o seu amigo robert crumb, havia de ganhar dinheiro e mulheres com aquela coisa dos livros com desenhos.
como não sabia desenhar e a sua vida, contada, daria para adormecer um jogador de futebol do boavista no ano em que foram campeões (para quem não se lembre, o nível de cafeína no sangue era absurdamente elevado e a direcção do boavista dizia que eles bebiam muitos cafés...), achou mesmo que o melhor era falar sobre coisa nenhuma (a sua vida) e pedir ao amigo robert crumb que ilustrasse o vácuo.
e o que é impressionante neste american splendor é, se por um lado, o mais difícil é escrever sobre o dia a dia que realmente temos e não sobre as ficções que teimamos em acreditar que a vida é, por outro, quando isso é bem feito torna-se particularmente interessante.
e o 'movie' respeita o 'comics'. até na estética.
foi uma espécie de reality show na versão desenhada, e contada pelo próprio.

é este contar do dia a dia na primeira pessoa que, pela dificuldade de tornar isso um assunto interessante para outras pessoas, pode distinguir um excelente artista de um menor.
é isso que faz de forma sublime seasick steve.

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nos últimos tempos tenho andado a ouvir de forma compulsiva dois cd's do seasick steve:
cheap , o seu primeiro album, é sobre o tempo que viveu sem abrigo e de como pode ser barato viver com aquilo que se deita absurdamente fora.
o tempo em que habitava nas traseiras de um supermercado junto à saída de ar quente das câmaras frigoríficas, alimentando-se dos produtos que todos os dias eram atirados para os contentores de lixo.
a sua primeira obra era logo sobre o tempo imediatamente anterior quando tocava pelas ruas para não morrer à fome.
i started out with nothin and i still got most of it left é o resumo de 4 anos de vida (o primeiro disco é de 2004 e o último de 2008): começou sem nada e continua sem coisa nenhuma.
seasick steve é um músico fabuloso, um guitarrista excepcional, um contador de histórias único.
façam um especial favor a vocês: oiçam-no !!


e aqui os tubos:



seasick steve, save me, na sua 1 string diddley bo', a espécie de guitarra com 1 corda e lata de feijões amplificada


7 comentários:

teresa disse...

No meio das diversas bifurcações ferroviárias (remetendo também as mesmas para comboios, verde das pradarias, música country, etc.)e uma certa dificuldade de concentração depois de escrever coisas mais 'austeras', o que salta de imediato à vista no post é o traço da BD 'esplendorosa', bem como o instrumento improvisado do ex-homeless do vídeo. Este último, fez-me 'bifurcar' para o professor V. Flusser (brasileiro de origem alemã, com 'sede' na escola de música em Estrasburgo). O professor (que terei o gosto de conhecer em breve) construíu a sua casa a pensar previamente nas divisões onde guarda os mais incríveis (digo eu, uma leiga, mas já vi inúmeras fotos) instrumentos que tem fabricado ao longo dos tempos (a idade é considerável, logo o espólio é proporcionalmente directo). Como dá formação a um jovem da minha família, não me deixo de surpreender com a aplicação de tudo isto (sons de vento, de água que corre, de pássaros, trânsito, multidão, etc.), já tendo colegas meus aproveitado a mais-valia numa oficina de formação lá pelo burgo a fim de aplicarem muitas das potencialidade numa peça de teatro, e a coisa resultou de uma maneira espantosa. E 'prontos' lá foi mais uma derivação espontânea após leitura (mais ou menos) diagonal do post.

carlos disse...

estamos a falar de victor flusser, especialização na terapia ocupacional através da música para idosos?

teresa disse...

Sim, o próprio:) Também responsável máximo por todo o projecto da 'Música nos Hospitais' que, já vi gravado em videos familiares e num documentário que passou no Odisseia.

carlos disse...

o 'homem' é uma legenda...

há pouco tempo estive a ler um texto dele:

http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v42n1/10.pdf

teresa disse...

... infelizmente recorro à plataforma Scielo por questoes mais 'secantes' e, como tal, desconhecia, mas nao só o VF é uma'legenda', será mesmo uma verdadeira 'legenda aurea' e, felizmente, recuperou de um problema muito aborrecido de saúde . Conto em breve ter o gosto de o conhecer (se calhar vou ser saloia e pedir-lhe um autógrafo, envergonhando os jovens da família, mas também ele insiste em lhes oferecer um cao e eles nao querem... será a minha 'maldade'):D

carlos disse...

cheguei ao 'homem' pela música, genericamente.
e por gostar de conhecer coisas inúteis para mim (não trabalho com idosos nem com doentes: apenas quando eu estou doente e faço algum trabalho para mim).

talvez por isso eu goste de escrever sobre coisas que interessam vagamente a umas... 2 pessoas, no mundo

teresa disse...

Só para concluir: o trabalho - por cá tb existe o projecto - nao tem nada a ver com 'caridadezinha', é fascinante ver os músicos e cantores (tao bons, tao bem seleccionados) a entrar nas enfermarias e a tocar/cantar e a expressao dos doentes (de todas as idades, até com meses de idade...) ou dos idosos do lar de Marvila (e nao sei se em mais algum na cidade e arredores) é melhor do que qualquer compensaçao material. Alguns, mesmo mal conseguindo falar, sao receptivos e acompanham a música, ficam radiantes.