Antes da opinião sobre o caso concreto, algumas opiniões que servem de fundamento ao resto.
1ª A vida humana de uma pessoa (isto não é uma redundância!) é um valor absoluto.
2ª A opinião anterior está no campo da "irrefutabilidade" (aqueles assuntos em que nem é possível demonstrar que sim nem é possível demonstrar que não). Portanto, é necessário uma opinião no campo da "prática". Defendo que, em termos práticos, a vida humana de uma pessoa deva ser considerada como um valor absoluto (mesmo que "de facto", "substancialmente" não o seja, embora eu ache que sim).
3ª Para mim, uma coisa não é "vida humana de uma pessoa" se satisfizer a seguinte condição suficiente mas não necessária, condição esta que vou enunciar de uma forma que não é rigorosa sob nenhuma perspectiva e ainda nem sequer é definitiva para mim: se não tem raciocínio, não tem sensações (visão, audição, etc.), não tem sentimentos, não tem emoções, não tem qualquer capacidade cognitiva, enfim, não tem comportamento - então não é uma vida humana de uma pessoa. Pode ser que esteja viva e que essa vida exista no corpo de uma pessoa. Nesse caso é uma vida humana, mas não é uma pessoa: não pensa, não sente, não compreende, não conhece logo não é pessoa. Um ser humano é um animal racional. Não basta ter ânimo, não basta respirar, é necessário raciocínio. Se não pensa nem nunca mais pensará, pode ser que esteja vivo mas já não é ninguém.
Depois de ler o artigo linkado no primeiro post do ABS sobre o tema e fazendo fé no mesmo, parece-me que Terri Schiavo já não raciocinava, não tinha sentidos, não tinha sentimentos, nem emoções nem capacidade cognitiva. E todas estas ausências eram em definitivo e irreversíveis. Logo, já não era uma pessoa. Portanto, na minha opinião e possivelmente na perspectiva da própria Terri, desligar-lhe o tubo tinha a mesma relevância ética que deixar de regar uma planta doméstica. Era absolutamente indiferente do ponto de vista ético e do próprio ponto de vista de Terri pois ela, de facto, já estava morta. Os únicos pontos éticos um pouco mais complicados dizem respeito ao sentido ético de respeitar os testamentos após a morte dos testamentários e o de respeitar a presumível vontade dos mortos quando eles não testam expressamente, como parece ter sido o caso de Terri. Mas estes pontos éticos, sendo complicados, não são graves porque o principal interessado nesses pontos já está morto.
Na minha opinião, manter o tubo ou desligá-lo só não era indiferente para os pais de Terri pois eles provavelmente de forma consciente ou inconsciente iludiam-se acerca da morte de Terri. Eles não perceberam ou não queriam perceber que Terri já tinha morrido havia mais de 10 anos. Tirar o tubo a Terri obrigou os seus pais a verem pela primeira vez e em definitivo o principal facto substancial de todo este caso: Terri enquanto pessoa já tinha morrido havia muito tempo. O grande problema do caso Terri Schiavo não era um problema substancial (está viva ou já morreu?) mas um problema da vida emocional dos seus pais e do marido, ou melhor, daquele que era viúvo havia mais de 10 anos. O problema só seria mais complicado se houvesse uma divergência por exemplo religiosa quanto ao conceito de pessoa (penso que não havia). Mas isso seria complicado para os pais e para o marido, não para Terri pois esta já estava morta. Bem, aqui de facto o problema não é assim tão simples: o que está em causa é o problema complicadíssimo de respeitar as crenças religiosas das pessoas depois destas morrerem. Mas, mais uma vez, acho que esse problema não chegou a existir no caso concreto.
O único dano relevante que decorreu do desligar do tubo foi só o de antecipar no tempo o desgosto dos pais de Terri. Ou melhor, o único “dano” foi impedir que esse desgosto continuasse a ser injustificadamente adiado.
Nota: a minha opinião no caso concreto faz fé no artigo que referi. Esta minha opinião só é válida no caso de, verdadeiramente, não haver actividade cerebral e ser impossível que volte a surgir essa actividade, de modo que a ausência de raciocínio, de sentidos, de capacidades cognitivas seja absolutamente irreversível.
Em relação a casos parecidos com este, se houver dúvidas em relação ao carácter irreversível da ausência de raciocínio, de sentidos, etc., defendo que se mantenha a vida humana a viver enquanto persistirem essas dúvidas, ou seja, enquanto houver esperança (ainda que improvável) de que a vida humana volte a ser pessoa (uma verdadeira ressurreição). Eu preferia estar a vegetar 50 anos e acordar ao fim desses 50 anos fresquinho da silva do que não chegar a acordar ao fim dos 50 anos. O tramado é que aqueles que acordam destes estados normalmente já não dispõem das faculdades intelectuais de que dispunham antes de entrarem nesses estados e é isto que faz com que seja muito difícil escrever o que queríamos que nos fizessem: acordar daqui a 50 anos diminuído mentalmente ou não acordar? Isto toca num assunto que era para postar há meses mas que não postei por achar demasiado medonho.
Sem comentários:
Enviar um comentário