17 de dezembro de 2003
Lenha na fogueira
Às vezes começo a discutir as coisas um tanto apaixonadamente, e perco as estribeiras. Não é minha intenção ofender a quem quer que seja, e se soei um tanto rabugento (e sei que soei), peço encarecidamente perdão. Nesse caso do aborto, creio que, à parte as relativizações muitas que o mundo vem nos ensinando, estamos falando da questão central que é a vida. Não a acho uma meia-questão, ou uma falsa questão; e muito menos uma idéia à qual as relativizações modernas sejam aplicáveis. Defendemos a vida ou não? Se a defendemos... a defendemos sempre, ou somente se satisfeitas certas circunstâncias? E que circunstâncias seriam essas? Isto é relativizar; isto é dizer que, em tais e tais casos, pode-se viver; em tais e tais outros, é melhor que se mate o camarada; e ainda, em outros, a vida do sujeito penderá de decisões alheias. O fato cristalino, aquele que, creio eu, ninguém disputará, é que, para se fazer um aborto, é necessário matar o feto. Pergunta-se: mas quando é que começa a vida? Sei lá eu! Uma pergunta dessas põe em dúvida a minha própria vida; se não sei quando começa, estarei eu vivo? Se minha mulher me esfaquear, poderá salvar-se da cadeia alegando que, filosoficamente, minha vida é uma questão em aberto, e que portanto ela não poderia tirá-la, ela que, a propósito, talvez também não esteja viva? Por outro lado, se estou de fato vivo, por que é que um feto de um mês, ou de quinze dias, ou de uma semana, não estará? Se estamos ambos vivos, por que é que matar-me é crime, e matar a ele é opção? Escapa-me, confesso sinceramente. Pergunta-se: mas e a que mundo ele virá? O mundo é mau, é sujo, ele crescerá sem amor. Tudo verdade. Entretanto, o mundo é assim para a maioria de nós (ou estamos aqui deitando pelas orelhas todo o amor que nos deram nesta vida?); e quantos estamos dispostos a morrer por isso? E olha que podemos falar, e podemos nos definir claramente a respeito da merda que o mundo é. Mas e o infeliz que, para cúmulo de tudo, nada sabe, nada pode dizer? Decidimos por ele? Dizemos: “vai por mim, amigão, isto aqui é um lixo, você não vai gostar nadinha, morto você está melhor”? Admita-se, porém, que uma mulher não queira ser mãe, seja porque detesta crianças, seja porque se acha incapaz, porque odeia ao pai, ou porque simplesmente quer levar a vida que sempre levou. Deve ser seu direito repudiar seu filho; mas por que poderia matá-lo? Se estamos realmente querendo deixar de ser hipócritas, devemos dar às mulheres o direito legal de repudiar, e não o de matar; e se lhes damos esse direito, porque bem nos parece, temos a obrigação de zelar pela vida dos enjeitados. Que o estado e a sociedade custodiem essas crianças, já que aparentemente falharam em explicar a seus pais o que sejam anticoncepcionais e preservativos, e que essa falha não seja uma razão para que morram. Se resolvemos botar a vida por cima de tudo, então botemos, e façamos das tripas coração para que ela seja respeitada. Debalde? Certamente. Mas chegamos até aqui defendendo isso. Vimos guerras, sangue, revoluções medonhas em nome de legalidade, fraternidade e igualdade. A troco de quê mesmo? Eram essas idéias hipócritas afinal? Não creio que fossem.
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