13 de julho de 2014

But Beautiful

Um texto meu publicado noutro sítio, mas com ecos que aqui fazem sentido.


Meu caro H.,
Este despacho começou por ser uma diatribe contra a barbárie que tenta destruir o SNS, com um apelo à participação maciça na greve de Julho e ao combate em todas as frentes, tudo isto com banda sonora de Gil Scott-Heron - The revolution will not be televised, ou, numa versão para os mais novos, com Muse - Uprising. Deixei a marinar de ontem para hoje. E mandei tudo para o lixo virtual do computador. Decidi que hoje não me apetece, e tu não mereces, perder tempo com isto. Quando chegar o momento de lutar lá estaremos, na linha da frente.

É que, entretanto, acabei de ler um livrinho que já estava publicado desde 1991, ganhou um Somerset Maugham Book Award no ano seguinte e tornou-se livro de culto. Não o conhecia. Apanhei-o outro dia por acaso e marchou num ápice. O livro chama-se But Beautiful, foi escrito por Geoff Dyer, escritor e ensaísta inglês, e fala de jazz. Foi recentemente traduzido pela Quetzal com o título Mas é Bonito.

Este não é um livro comum. São pequenas histórias, ou que aconteceram ou que poderiam ter acontecido, parafraseando o Inimigo Público. Dyer pega em fotografias e textos e recria momentos ou períodos de vida de alguns dos maiores da história do jazz. A fazer a ligação entre histórias há uma viagem de automóvel através de um pedaço da América. Ao volante, Harry Carney. No lugar do morto vai Duke Ellington, a congeminar e rabiscar ideias musicais para novas peças.

Não te vou contar as histórias, claro, mas posso referir-te os nomes convocados. Lester Young, Thelonious Monk, Bud Powell, Ben Webster, Charles Mingus, Chet Baker, Art Pepper. Há outros nos bastidores, igualmente grandes.

Estas histórias não são simples nem fáceis. O fio condutor é o talento quase impossível dos retratados e o modo como esse talento sobressai das suas vidas, na maioria dos casos caóticas. Há de tudo: racismo, insultos, agressões, álcool de todas as proveniências, drogas de todos os géneros e feitios, violência, doença física, doença mental, prisão, electrochoques, tratamentos, reabilitações, recaídas. E há momentos de bondade, dedicação, voluntarismo, profissionalismo, rigor, improviso, tenacidade, apoio mútuo, enfim, da beleza de que fala o título. A música, essa, está lá sempre, seja numa carruagem de comboio, seja num apartamento minúsculo com o banco do piano a entrar pela cozinha, seja no pátio de uma penitenciária em que o som de um sax alto directo aos céus gera o silêncio total. Essa música, essa vocação, é mais forte que as circunstâncias envolventes. Mesmo quando tudo parece estar perdido os protagonistas ressurgem, e só a morte os cala - a doença quase incapacitante, que à maioria oblitera, a estes não o consegue fazer. Mingus em cadeira de rodas, Roland Kirk primeiro cego e depois hemiplégico, continuam a fazer música até ao fim. E os músicos de jazz tocam em sessões contínuas, noite após noite, sete noites por semana, sempre obrigados a reproduzir com fidelidade os temas e de improvisar sobre eles, fazendo algo que, sendo sempre igual, se torna sempre único - uma diferença que só os próprios e os que os ouvem compreendem.

O livro termina com um ensaio sobre jazz que o enquadra historicamente e reflecte sobre o seu futuro. Passados mais de vinte anos sobre a sua escrita o jazz continua vivo e recomendável, apesar da contínua produção de produtos de fancaria para vender às massas.

E só agora me apercebo de que, na verdade, nunca deixei de falar de nós e do SNS. Bem podem tentar destruí-lo, bem nos podem massacrar com horários impossíveis e tarefas impossíveis. O SNS pode estar ferido, depauperado, vítima de malnutrição e de atrocidades variadas. A verdade é que continua lindo. E vai resistir.

Até sempre e um abraço,
A.

(Banda sonora deste despacho: Billie Holiday - But Beautiful. Em complemento, versões de Stan Getz/Bill Evans ou de Art Pepper/Bill Cables/George Mraz/Elvin Jones). 



12 de julho de 2014

Dar e receber









Numa pequena rua de Lisboa, passando sem tempo,  tive de o encontrar, para vos dar esta foto. Alguém quis que assim fosse e ainda bem!

11 de julho de 2014

Nuno San Payo

"É um mau hábito emprestar livros. Não são menos nossos, menos pessoais, nem devem merecer-nos menos consideração do que uns sapatos ou um fato, antes pelo contrário e no entanto ninguém deixa andar as suas roupas ou os seus objectos de uso de mão em mão"
Extracto de um conto de Maria da Graça Freire, desenho de Nuno San Payo,Revista Panorama, 1957

5 de julho de 2014

Tílias e Sophia

“De repente ouvia-se uma voz: Onde está a Sophia? Não havia Sophia, mas o ar era fresco como se atravessássemos uma alameda de tílias.” Eugénio de Andrade Foto Correia dos Santos, 1968.