29 de julho de 2014
O "Dias que Voam" faz onze anos
Onze anos passaram desde que a T fundou esta casa. Onze anos de diversidade de posts e de contribuidores, como se constata pelo arquivo. Um dia descobri o “Dias” e foi com agrado que comecei a participar aqui, a convite da sua fundadora. Houve tempos em que os blogues eram muito visitados, com diversos comentários, diversos textos que , todos os dias, se renovavam. Os tempos mudaram e o ritmo abrandou. Apesar de tudo – não sendo nostálgica, sou-o assumidamente neste particular – dou, por vezes, comigo, a pensar como seria bom voltar a ver os blogues, na sua maioria, renovados e participados. Afinal e de modo genérico, parece-me que eram mais cuidados os textos, esmeradas as fotografias, apelativos os comentários. Sem antevisões (quem as consegue fazer com precisão?), ficará sempre a alegria da descoberta, a festa da escrita, a procura das imagens e o mesmo contentamento ao ver o que os restantes – colaboradores e comentadores – escreviam (e escrevem, porque não?). Apesar das mudanças, de algum afastamento, do abrandamento de todos na publicação e nas visitas, desejo ao “Dias” muitos parabéns por mais um aniversário, continuando a ser referência pessoal .
24 de julho de 2014
Short Cuts - Ariano Armorial Suassuna
Aliás, o maior contador de histórias que já andou pelos sertões desse imenso Brasil.
Sobre computadores
“Dizem que eu não gosto de computadores. Eu digo que eles é que não gostam de mim. Querem ver? Fui escrever meu nome completo: Ariano Vilar Suassuna. O computador tem uma espécie de sistema que rejeita as palavras quando acha que elas estão erradas e sugere o que, no entender dele, computador, seria o certo.
Pois bem, quando escrevi Ariano, ele aceitou normalmente. Quando eu escrevi Vilar, ele rejeitou e sugeriu que fosse substituída por Vilão. E quando eu escrevi Suassuna, não sei se pela quantidade de “s”, o computador rejeitou e substituiu por “Assassino”. Então, vejam, não sou eu que não gosto de computadores, eles é que não gostam de mim.”
Sobre o inglês e o português
“Eu não gosto da língua inglesa. A língua portuguesa é que é linda. Rica. O inglês, além de tudo, é pobre. (Apontando um copo de vidro). Perguntem a qualquer analfabeto o que é isto aqui. E ele responderá: “É um copo”. Em inglês, isso aqui é “glass”, vejam se isso tem jeito de ser? E além de tudo, a língua é pobre. Em português isso aqui é um copo de vidro, não é? Pois então, em inglês, seria um “glass” de “glass”. Ô pobreza!
Rindo de si mesmo
Ariano fazia uma palestra no Sul. Depois, autografava seus livros. E a cada um que chegava para lhe pedir autógrafos perguntava o nome e ouvia um amontoado de consoantes que não entendia direito. Com paciência, pedia para que a pessoa soletrasse o nome enquanto, cuidadosamente, fazia a dedicatória. Depois da terceira vez que pediu a alguém para soletrar o nome, ouviu um pai orientando o filho para já chegar soletrando o nome “porque o homem é analfabeto!”. Na hora do autógrafo, o filho já chegou dizendo: “Meu nome é Hugo, H – U – G – O”. Ariano quase morreu de rir.
Descendo do avião
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Da última vez em que esteve em Brasília, antes de embarcar, Ariano resolveu descansar no aeroporto. À sua maneira, deitado no chão. |
Ariano não gostava de viagens de avião. Um dia, desembarcando para uma palestra, a mocinha que o esperava, delicadamente, perguntou: Fez boa viagem, mestre? Ao que ele respondeu: Como assim “boa viagem”, minha filha? As viagens de avião só existem de dois tipos: As tediosas e as fatais. O avião é o único meio de transporte que a gente entra e reza para que a viagem seja tediosa.
Aula espetáculo e Chico Ciência
Pra mim, o Chico Science deveria se chamar Chico Ciência.
Um dia, chegando para fazer uma palestra, leio uma faixa estendida em frente à escola:
"Aula Show de Ariano Suassuna". Mandei tirar a faixa. Senão, não fazia a palestra. Eu não dou "Aula Show". Dou "Aula Espetáculo". Aliás, na minha terra, Xô é uma interjeição usada pra espantar galinha.
Aula espetáculo e Chico Ciência
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Ariano e Chico Ciência |
"Aula Show de Ariano Suassuna". Mandei tirar a faixa. Senão, não fazia a palestra. Eu não dou "Aula Show". Dou "Aula Espetáculo". Aliás, na minha terra, Xô é uma interjeição usada pra espantar galinha.
Sobre a morte
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Ariano e Zélia, seu grande amor. |
“Na minha terra, no sertão da Paraíba, a morte tem nome. Chama-se Caetana. E tem a imagem de uma mulher bonita. Aliás, essa é a única forma que eu aceito encarar essa danada. Como uma mulher bonita”.
PS.: Ariano Suassuna é autor de clássicos da literatura e do teatro brasileiro (Auto da Compadecida e Romance d'A Pedra do Reino entre eles). Ariano morreu ontem, aos 87 anos, no Hospital Real Português, em Recife, onde estava internado desde segunda-feira, depois de sofrer um AVC.
E eu ando achando essa vida meio sem graça, por ter que falar tanto dos meus heróis mortos.
PS.: Ariano Suassuna é autor de clássicos da literatura e do teatro brasileiro (Auto da Compadecida e Romance d'A Pedra do Reino entre eles). Ariano morreu ontem, aos 87 anos, no Hospital Real Português, em Recife, onde estava internado desde segunda-feira, depois de sofrer um AVC.
E eu ando achando essa vida meio sem graça, por ter que falar tanto dos meus heróis mortos.
19 de julho de 2014
O trovão definitivo
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João Ubaldo Ribeiro. Escritor brasileiro. |
Meu dia passou.
João, não.
Ficou nas entrelinhas da minha vida.
Renata disse que ele tinha voz de trovão. E tinha mesmo.
Rodrigo disse que bastou um de seus livros para percebê-lo definitivo.
Passei o dia pensando no definitivo da voz de trovão.
João, que entendeu como poucos o povo brasileiro, saiu de cena assim, meio à francesa, sem dar aviso.
Justo ele. Espalhafatoso delicado.
No Jornal Nacional os famosos e os anônimos falaram dele com a mesma simplicidade desconcertante. Com a mesma saudade. Com o mesmo carinho.
João, hoje, virou letra no céu.
Meu dia passou.
João, não.
(Mercy Street - interpretada por Ritchie, da trilha sonora da Mini-série "O Sorriso do Lagarto", obra de João Ubaldo Ribeiro)
13 de julho de 2014
But Beautiful
Um texto meu publicado noutro sítio, mas com ecos que aqui fazem sentido.
É que,
entretanto, acabei de ler um livrinho que já estava publicado desde 1991,
ganhou um Somerset Maugham Book Award
no ano seguinte e tornou-se livro de culto. Não o conhecia. Apanhei-o outro dia
por acaso e marchou num ápice. O livro chama-se But Beautiful, foi escrito por Geoff Dyer, escritor e ensaísta
inglês, e fala de jazz. Foi recentemente traduzido pela Quetzal com o título Mas é Bonito.
(Banda sonora deste despacho: Billie Holiday - But Beautiful. Em complemento,
versões de Stan Getz/Bill Evans ou de Art Pepper/Bill Cables/George Mraz/Elvin
Jones).
Meu caro H.,
Este
despacho começou por ser uma diatribe contra a barbárie que tenta destruir o
SNS, com um apelo à participação maciça na greve de Julho e ao combate em todas
as frentes, tudo isto com banda sonora de Gil Scott-Heron - The revolution will not be televised, ou, numa versão para os
mais novos, com Muse - Uprising.
Deixei a marinar de ontem para hoje. E mandei tudo para o lixo virtual do
computador. Decidi que hoje não me apetece, e tu não mereces, perder tempo com isto.
Quando chegar o momento de lutar lá estaremos, na linha da frente.

Este não é
um livro comum. São pequenas histórias, ou que aconteceram ou que poderiam ter
acontecido, parafraseando o Inimigo
Público. Dyer pega em fotografias e textos e recria momentos ou períodos de
vida de alguns dos maiores da história do jazz. A fazer a ligação entre
histórias há uma viagem de automóvel através de um pedaço da América. Ao
volante, Harry Carney. No lugar do morto vai Duke Ellington, a congeminar e rabiscar
ideias musicais para novas peças.
Não te vou
contar as histórias, claro, mas posso referir-te os nomes convocados. Lester
Young, Thelonious Monk, Bud Powell, Ben Webster, Charles Mingus, Chet Baker,
Art Pepper. Há outros nos bastidores, igualmente grandes.
Estas
histórias não são simples nem fáceis. O fio condutor é o talento quase
impossível dos retratados e o modo como esse talento sobressai das suas vidas, na
maioria dos casos caóticas. Há de tudo: racismo, insultos, agressões, álcool de
todas as proveniências, drogas de todos os géneros e feitios, violência, doença
física, doença mental, prisão, electrochoques, tratamentos, reabilitações,
recaídas. E há momentos de bondade, dedicação, voluntarismo, profissionalismo,
rigor, improviso, tenacidade, apoio mútuo, enfim, da beleza de que fala o
título. A música, essa, está lá sempre, seja numa carruagem de comboio, seja
num apartamento minúsculo com o banco do piano a entrar pela cozinha, seja no
pátio de uma penitenciária em que o som de um sax alto directo aos céus gera o
silêncio total. Essa música, essa vocação, é mais forte que as circunstâncias
envolventes. Mesmo quando tudo parece estar perdido os protagonistas ressurgem,
e só a morte os cala - a doença quase incapacitante, que à maioria oblitera, a
estes não o consegue fazer. Mingus em cadeira de rodas, Roland Kirk primeiro
cego e depois hemiplégico, continuam a fazer música até ao fim. E os músicos de
jazz tocam em sessões contínuas, noite após noite, sete noites por semana, sempre
obrigados a reproduzir com fidelidade os temas e de improvisar sobre eles,
fazendo algo que, sendo sempre igual, se torna sempre único - uma diferença que
só os próprios e os que os ouvem compreendem.
O livro
termina com um ensaio sobre jazz que o enquadra historicamente e reflecte sobre
o seu futuro. Passados mais de vinte anos sobre a sua escrita o jazz continua
vivo e recomendável, apesar da contínua produção de produtos de fancaria para
vender às massas.
E só agora me
apercebo de que, na verdade, nunca deixei de falar de nós e do SNS. Bem podem
tentar destruí-lo, bem nos podem massacrar com horários impossíveis e tarefas
impossíveis. O SNS pode estar ferido, depauperado, vítima de malnutrição e de
atrocidades variadas. A verdade é que continua lindo. E vai resistir.
Até sempre e
um abraço,
A.
12 de julho de 2014
Dar e receber
Numa pequena rua de Lisboa, passando sem tempo, tive de o encontrar, para vos dar esta foto. Alguém quis que assim fosse e ainda bem!
11 de julho de 2014
Nuno San Payo

Extracto de um conto de Maria da Graça Freire, desenho de Nuno San Payo,Revista Panorama, 1957
5 de julho de 2014
Tílias e Sophia
3 de julho de 2014
La "gorda" se fue!
Ah, minha “gorda” linda, minha bicicleta.
Ontem à tarde, alguém a levou, no Campus Universitário.
Tento convencer-me de que, talvez, tenha sido ela quem resolveu se mandar. Porque era uma bicicleta especial, com personalidade e não ia se deixar montar assim, por um desconhecido qualquer, tão facilmente.
Afinal, a nossa relação era de longo tempo, éramos amantes fiéis.
Ou quase...
Minha gordinha... Sinto uma dor no peito ao pensar em sua ausência. Eu reconheço que já a vinha traindo com um outro modelo, mais moderna, mais “magrinha” e com, ufa, 25 marchas de velocidade! Um presente que ganhei do meu grande amigo Eduardo Scott. Bastava subir e ela já disparava, como uma louca pelas ruas, em alta velocidade.
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Ramon y su "gordita" |
Mas eu gostava tanto da minha “gordinha”… Que é que vou fazer? Éramos tão íntimos, ela sabia tudo de mim e eu dela… Era uma “gordinha” bem solta, sem freios. Para contê-la era preciso mais jeito e menos força. Para conseguir pará-la, era só dar uma pedalada para trás.
Deus queira que o ladrão lhe trate bem e lhe respeite, como eu. Ela não suportaria maus-tratos. Que seja cortes, não abuse dela. Como toda bicicleta-amiga, ela tem direito a um descanso, não é mesmo? Pois, que a trate bem, então. Que a deixe limpinha, cuide da sua pintura, que não lhe dê solavancos e nem a meta em buracos, certo?
E que a gorda se aproveite dele como se aproveitou de mim, até decidir ir embora!
Por fim, uma confissão:
Eu trocaria, sem pestanejar, duas magras pela minha gorda!
Tradução livre e adaptação de Maranhão Viegas para história real e original de Ramon Rocha Monroy, um dos melhores cronistas que a Bolívia (e, mais especificamente, Cochabamba) já deu.
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