4 de março de 2010
Rogério Fernandes: ao mestre com gratidão
Hoje tinha pensado em dedicar inteiramente o dia à correcção de testes, à orientação familiar no estudo de Os Lusíadas e à saúde de alguém próximo. Acabei de ser surpreendida com o súbito desaparecimento de um recente mas marcante amigo: o professor Rogério Fernandes. Durante os últimos meses, partilhou com a simplicidade a sua vasta cultura acerca da História da Educação em Portugal desde o século XVIII até aos nossos dias. A humildade era de tal forma um traço marcante, a ponto de comentar um post por mim aqui deixado em tempos sobre o médico e pedagogo Ribeiro Sanches. Apareceu durante uma comunicação que apresentámos há menos de 15 dias no colóquio da Faculdade de Psicologia, atitude tocante para quem muito tem lidado ao longo da vida e em meios académicos com significativo número de individualidades distantes e a olhar os simples mortais de um patamar muito superior.
Sabendo que se trata de um post muito pessoal e, na impossibilidade de estar presente na última homenagem que lhe é dedicada, será esta a forma de aqui deixar uma ínfima recordação de um dos mestres que ficará na lista pessoal dos pedagogos com maiúscula.
Perpetuando a sua memória deixarei, para concluir, duas observações, agradecendo o acesso a um texto do professor à minha colega e amiga Teresa Macara:
1)- durante a nossa apresentação de há 15 dias no colóquio Afirse, uma assistente do México manifestou espanto ao saber que a Educação para a Cidadania era tratada em aula durante 45 minutos semanais, o professor comentou então que a ética se ensinava durante todo o tempo em que permanecíamos na escola, essencialmente por atitudes, tendo salientado a inadequação de o seu ensino ser transmitido em ínfima «fracção» oficial;
2)- para finalizar, deixarei algumas das suas palavras proferidas em 1977 enquanto Director Geral de Educação:
«Ao contrário do angustiado professor que se perguntava qual era o cacique a quem mais lhe convinha servir, o estatuto que a nova equipa da Direcção Geral do Ensino Básico atribuía ao docente era o de cidadão pleno, o que lhe criava o dever de intervenção cívica consciente. Não se tratava de fazer do professor (…) um propagandista de qualquer regime, de qualquer partido ou de qualquer seita. O professor deveria ser além de docente, na acepção verdadeira da palavra, um dinamizador cultural do seu meio em ordem à reconstrução da nação que o fascismo deixara devastada (…). Reconstruir a nação (…) seria sim libertar as energias criadoras do povo, promovendo a sua emancipação concreta no plano material e espiritual, de acordo com uma larga perspectiva racionalista e científica, de tal sorte que a opressão e a exploração do homem pelo homem desaparecessem para sempre da nossa terra».
Custa-nos sempre o desaparecimento daqueles de quem gostamos e admiramos, independentemente da idade.
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8 comentários:
Não quer deixar de referir a sua coragem e postura cívica, durante os tempos dificeis deste país, como director adjunto da "Seara Nova"
Também um maravilhoso ensaio, de sua autoria, sobre a obra de Trindade Coelho, publicado na "Portugália Editora" e que o levou a ler toda a obra de Trindade Coelho, num tempo em que, do autor, apenas conhecia o conto "Para a Escola"
http://educar.wordpress.com/2010/03/04/estou-ainda-mais-triste/
Os dias da nosa existência voam e há que viver cada um como se fora o primeiro e o último. Eu creio firmemente que o professor assim o fez, com ombridade e sem recuos.
Esperei dois anos por um seminário de doutoramento com ele ... que se concretizou de 2009 para cá.
Esta semana passada enviou-me um mail comentando um trabalho de que faz parte o texto que citaste e que se refere a um tempo de possibilidades que eu tb vivi, e outros que hoje o choram, e de que ele era protagonista. Comoveu-se com a memória e a citação e agradeceu com a simplicidade que lhe era peculiar. Para o homenagear deixo aqui as palavras de Mª Rosa Colaço, uma professora na Revolução, e que me transportam para esse tempo onde o continuarei a encontrar:
“São os mesmos lugares e os mesmos rostos. Mas o Tempo – Novo chegou e, com ele, as constelações de palavras luminosas e, pela primeira vez, ditas aqui sem tremor na voz. Escreve-se no quadro das Escolas: Liberdade – Paz – Camarada – Povo (…).
E nós desejamos que um dia as pessoas possam sentir profundamente o que significou para muitos de nós escrever estas palavras sem a censura as amputar, amputando-nos o pensamento.
Pegar nos nomes mais belos e antigos do coração do homem, desenterrá-lo do fundo da perpétua noite em que nos diluímos e, à luz do sol, vê-los crescer nos olhos das crianças. Sem medo! (…)
Mas não se pode contar em termos exactos o que se sente quando, frente às crianças e face ao povo, podemos usar pela primeira vez a ganga azul da nossa voz e, com ela, trabalhar na oficina em que se molda o homem do Futuro.” (Colaço, 1981, p.21).
Recordar adoça a dor da aus~encia.
Perdi um grande amigo, um grande professor, um grande homem, uma alma lindíssima, um ser superior... Choro, copiosamente, a sua partida... E não sou capaz, neste momento, de escrever mais nada... Mas vou voltar aqui. Em breve. Muito em breve.
Maria Clara Lino
Teresa,
Destaco a tua última frase: «Recordar adoça a dor da ausência», tendo sido esse o impulso de deixar aqui o post num dia daqueles mesmo 'frenéticos', como foi o de ontem.
Gostaria de continuar a escrever sobre o nosso professsor com maiúscula, mas há seres humanos para quem as palavras são insuficientes, quem disse que éramos todos iguais?
E tu que tiveste o privilégio de o conhecer ao longo dos tempos desta democracia nunca construída e das diversas actividades que desempenhou como verdadeiro humanista, sabê-lo-ás decerto melhor do que eu.
Acabou de sair uma colega uns anitos mais jovem, também ela sua aluna dos tempos da F. de Ciências. Ficou emocionada, tendo-me acabado de dizer:« a minha turma tinha quase 50 alunos e o professor sabia todos os nossos nomes», por vezes frases simples são retratos nítidos a explicar o porquê de algumas pessoas perdurarem no pensamento.
Lindas palavras, as de Rosa Colaço que aqui deixaste:)
Até breve
Clarinha,
Como se diz em Moçambique «cada dia é cada dia» e as pessoas grandes e verdadeiramente amigas gostam/gostariam de nos ver de bem com a vida, para podermos (timidamente, é certo, falo por mim) tentar, dentro do possível, desempenharmos bem o que andamos por aqui a fazer.
E isto não é lamechice feminina, o nosso colega PG também ficou consternado com a súbita notícia.
Beijinho
Disse, ontem, que havia de aqui voltar e aqui estou eu de novo.
Tenho passado a tarde a reler e-mails e textos do meu querido professor e amigo Rogério Fernandes. As suas palavras impuseram, muitas vezes, sorrisos nos meus lábios e nos meus olhos...
O Rogério estará sempre presente entre nós. Todavia, o seu corpo deixou-nos... Mas temos que o recordar como ele sempre foi. Uma pessoa muito boa e uma alma lindíssima! Trabalhou até ao fim. Como professor, como sindicalista, como homem...
Nós que por cá continuamos devemos recordá-lo como ser humano excepcional que foi, e com as palavras, frases, expressões peculiares e aquela boa disposição tão característica (mesmo que "inventada" na hora...). É desta forma que ele quer, por certo, ser recordado pelos seus amigos. E é assim mesmo que eu quero recordá-lo!
Mas o professor Rogério Fernandes também foi jornalista. Trabalhou no jornal "Capital". Escreveu-me, certa vez, a relatar um singular episódio. Uma ida sua, inesperada, a Paris.
Passo a transcreve-la na íntegra
"(...) eu tenho de Paris uma imagem categorial correspondente à primeira vez em que passei ali, imagem que para sempre, espero, influirá a minha visão da cidade. Corria o mês de Maio de 1968, eu era jornalista na "Capital", e, a um sábado à tarde, parou junto da minha mesa o director do jornal que me desfecha esta frase: "Vá fazer a mala porque tem bilhete aéreo para Paris via Madrid-Bruxelas". Abalei para casa, para fazer a mala. Minha mulher tinha saido com os putos a uma festa de anos. Fiz a mala, deixei-lhe um recado escrito e abalei para o aeroporto. O avião da Ibéria parado na pista à minha espera...Quando chegámos a Bruxelas, a companhia belga informou-nos gentilmente de que tudo em Paris entrara em greve. O máximo que podiam arranjar era um autocarro de passageiros, que rolaria durante a noite, uma manta para os joelhos e uma sanduíche. Cheguei à Place de Concorde às 4 da manhã, já o dia clareava. Alombei com a mala boulevards abaixo, até ao Boul Mich. Descobri que o hotel era perto. Automóveis calcinados, pichagens nas paredes: "Il est interdit d'interdire". Nos castanheiros, pialhavam pardais.
A existência da censura à imprensa impediu-me de escrever a minha obra-prima jornalística. Mas o "meu" Paris ficou para sempre."
Obrigada por teres deixado aqui um «bocadinho» do nosso grande mestre. Belíssimo texto! Este terá de ficar nos meus arquivos, pois faz/fará também parte das nossas memórias.
É assim que os tempos correm e as pessoas permanecem.
Um beijinho, amiga:)
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