6 de janeiro de 2010
Um diário e um gato narrador...
(ilustração de Danuta Rosa Wojciechowska in Plural 8)
Hoje encetámos na aula o estudo do diário com uma passagem da autoria de Anne Frank.
Torna-se interessante debater o facto de alguns diários serem páginas mais ou menos sofridas de quotidianos reais, ao contrário de outras obras que, rotuladas de modo idêntico, traduzem relatos ficcionados o que sucede, a título ilustrativo, com uma das pérolas do humor britânico juvenil: o Diário de Adrian Mole.
Voltando à jovem judia, foi tocante verificar a espontaneidade da palavra dos participantes na aula : « é impressionante como uma miúda ainda tão nova parece uma adulta na maneira como escreve». Tudo isto conduziu à expressão de Soeiro Pereira Gomes: «homens que nunca foram meninos».
Não poderíamos deixar de ter concluído a experiência do dia sem a visita a um texto cujo narrador é um dos mais simpáticos animais : refiro-me ao gato, objecto de tantos posts cá pela casa e caracterizado por Lorca como tendo sido «Debussy numa vida anterior», aspecto comprovado no seu saltitar sobre o teclado de um piano:
Já me esquecia de vos dizer que Anne escrevia o seu diário para uma amiga inventada a que deu o nome de Kitty, que, curiosamente, é nome de gato ou de gata. Logo nas primeiras semanas percebi que Anne Frank não era uma menina como as outras. Era já uma escritora, embora estivesse só no princípio, e eu acho que teria sido uma grande escritora e uma grande jornalista se a sua vida não tivesse acabado tão cedo e da forma terrível como acabou.
Os gatos gostam de se sentar sobre os tampos das secretárias, observando as pessoas a escrever. É um espectáculo que lhes dá prazer e, sempre que podem, dão uma sapatada brincalhona na caneta que lança as palavras sobre a página. Anne não gostava que eu fizesse isso e várias vezes me repreendeu, deixando-me amuado durante umas horas ou mesmo durante uns dias[…].
- Tens de perceber, Mouschi, que aquilo que eu escrevo é a minha única forma de liberdade. Cada frase, cada página é uma espécie de porta que se abre para a luz e, por isso, eu não gosto daquilo que me distrai e me rouba tempo quando eu estou concentrada.
Eu, como era gato, e ainda por cima um gato jovem, tinha dificuldade em compreender que aquela menina tinha perdido tudo o que contara para ela – os amigos, a escola, o sonho, a liberdade – e que aquele diário era um postigo que se abria para o exterior e a iluminava por dentro como uma vela que o vento não conseguia apagar ou uma estrela distante mas infinitament amiga.
José Jorge Letria, Mouschi, o Gato de Anne Frank
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