13 de janeiro de 2010

Chuva: a abensonhada

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Estes dias agrestes lembram os Invernos de infância. As semanas decorrem cinzentas, como que indistintas, sob torrentes caídas do céu. Há pouco, espreitando por entre as nuvens uma tímida luminosidade, chegou quase que a vontade de sair do carro, enfrentando as diferenças de temperatura e fotografar, uma vez mais, o riacho – ofensa para um curso de água prestes a ser promovido – bem como o verde em acenos de vida, tornado pastagem para um rebanho tranquilo.
Dentro em breve, com os dias a crescer e o sol a afirmar-se, fica mais estável a disposição, carregando de significado a ideia de se «ficar apanhado do clima». Apesar do desconforto do frio e da «água grande», a estação tem os seus próprios encantos (desde que se tenha um porto de abrigo, é certo). Um aspecto difícil de interiorizar em terras distantes, consistiu na inexistência de quatro estações do ano, parecendo fazer estes ciclos parte do equilíbrio de cada um…

Talvez por não pertencer mais ao mundo, Tristereza não sinta, como eu, a atracção de sair. Ela acredita que acabou o tempo de sofrer, nossa terra se está lavando do passado. Eu tenho dúvidas, preciso olhar a rua. A janela: não é onde a casa sonha ser mundo?[…] O verde fala a língua de todas as cores. A Tia já dobrou as despedidas e está a sair quando eu a chamo:
- Tristereza, tira o meu casaco.
Ela se ilumina de espanto. Enquanto despe o cabide, a chuva vai parando. Apenas uns restantes pingos vão tombando sobre o meu casaco. Tristereza me pede: não sacuda, essa aguinha dá sorte. E de braço dado, saímos os dois pisando charcos, em descuido de meninos que sabem do mundo a alegria de um infinito brinquedo.


Mia Couto, Estórias Abensonhadas

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