14 de outubro de 2009
As cidades brancas
No topázio mais triste da minha clarividência, apareceu-me o anjo do Ocidente. Tropeçava de sombra e sombra e a espada com que guardava os jardins com buxos de livros da Europa despedaçara-se em números que espavoridos fugiam uns dos outros. Um horizonte de canções blindadas cantava a parábola das cidades brancas cobertas por noites laboriosas de formigas. As estátuas cambaleavam no alto de temerosos pensamentos. As catedrais eram levadas por um vento de elevadores endemoninhados. Mulheres a arder em revistas ilustradas faziam strip-tease para latas de conserva boquiabertas. E a Europa fugia para trás. Fugia parada na louca pulsação do seu movimento estático. E a Europa era a triste viuvinha no meio de uma roda de crianças que matavam índios num filme americano.
Desatei então a correr para o sítio onde se chora. O sítio onde se chora é na penumbra pensativa. No quarto de estalactites da alma onde se fazem poemas. Mas notei que no meu pranto faltava uma lágrima e essa lágrima era Portugal. Percebi finalmente que Portugal era eu a chorar trevos de cinza pela Europa.
Natália Correia, O sol nas noites e o luar nos dias
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