4 de março de 2009

JORNALISMO DE COLA E TESOURA


Há muito tempo, mesmo muito, que deixou de ter o gosto de ler jornais. A necessidade de os ler mantém-se ,mas não mais o tempo em que sem o jornal não havia uma boa manhã, ou melhor, podia haver uma boa manhã, mas não era uma manhã completa. A conversa com o homem do quiosque, o cheiro da tinta ainda fresca. No “Apocalypse Now” o tal major adorava o cheiro a napalm pela manhã, ele adora o cheiro a tinta fresca do jornal pela manhã. Mas o jornalismo caiu num buraco sem fundo. Quase diria que, tal como o conheceu, o jornalismo acabou! Aquilo que ele chegou a entender como das mais belas profissões do mundo, perdeu-se no meio de um descontentamento que lhe torna os dias desesperantes, tornou-se em algo desgostante queamiúde coloca-o no limiar do vómito.
O Carlos, num “post” ontem aqui publicado, dizia-nos que um jornalista da “Sábado” confundiu trufas com ostras e acabou por dizer que se tratava das singularidades de um jornalismo a recibo verde. Até poderia ser um jornalismo a recibo verde, sempre era alguma coisa, mas já nem isso é.
Hoje em dia um jornal está entregue a um director, que é um mero capacho de um qualquer grupo económico, director que, por sua vez, arranja um naipe de gente de sua confiança que se tornam seus capachos. Estes chefiam uma série de estagiários, uns a ganhar miseravelmente, outros nem isso. Quem se manifesta contra esta ordem ou é despedido ou colocado numa qualquer prateleira.
O grupo Controlingeste, que domina o “Jornal de Notícias”, o “Diário de Notícias”, o “24 Horas”, “O Jogo”, vai despedir para cima de uma centena de jornalistas. Uma greve foi marcada para o dia 4 de Março.
Há dias o Público” publicava uma entrevista com Alfredo Mendes”, jornalista do “Diário de Notícias” que, aos 53 anos, juntamente com outros, se vê despedido. O final da entrevista espelha bem o que vai nas redacções dos jornais, e estamos a falar do “Diário de Notícias”, não de uma qualquer folheca paroquial.
“Não será fácil recomeçar aos 53 anos: Aumenta a esperança de vida e um jornalista com mais de 40 anos é para abater. Proliferam os cursos de comunicação social. Todos os anos centenas de jovens tentam entrar na profissão. Em vez de se ter profissionais com experiência, com qualidade, nos quadros das empresas, tem-se estagiários a trabalhar à borla. E sai um jornalismo padronizado, sem memória, sem génio, e sem arte. E as redacções transformaram-se em espaços frios, tristes".

7 comentários:

teresa disse...

O post sistematiza tudo aquilo em que tenho pensado,de modo algo desarticulado, sobre a comunicação(?) social nos nossos dias.
Insistindo em seguir as passadas paternas, continuo a comprar diariamente jornais (não qualquer um, é claro) e mesmo aquele que mais compro, o Público, tem mudado curiosamente o tom dos editoriais ao longo dos últimos 4 anos (editoriais esses com o mesmo autor, bem sei que podemos mudar de opiniões ao longo da vida, mas também existem accionistas e jogos de poder, é bom que o não esqueçamos).
Como espreito a imprensa online, fico cilindrada por ver que certos e determinados acontecimentos de monta - já que estamos na Europa "civilizada", diz-se- são noticiados no "Le Monde" e na imprensa diária espanhola e por cá, como diria a T., "nóps!" (será que a Lusa não recebe as mesmas informações? Talvez a nossa ocidentalidade sobre o mar explique tamanhos desencontros):(

Unknown disse...

Este artigo de opinião, tem muito a vêr com a estrutura jornalistica portuguesa.
Não pense o "articulista" que só no século XXI isto acontece!
Já no século passado, o fenómeno persistia, só que nãohavia recibos verdes.
Quanto ao jornalismo de cola e tesoura sempre existiu. Eu trabalhei durante 16 anos no antigo e já desaparecido "Jornal do Comércio e das Colónias", e já nessa altura, existiam os mesmos problemas de hoje.
É sempre a mesma "coisa".

carlos disse...

o jornal do comércio já aqui foi várias vezes falado...
por lá fui algumas vezes há muitos anos atrás.

de facto, o problema da tesoura e cola não é novo.
que eu saiba, a expressão começou mesmo nos jornais e foi-se expandindo.
muitas 'redacções' faziam notícias assim, e não era apenas com os telexes (aos anos que não escrevia esta palavra) das agências. eram amiúde com as noticias dos outros.

há hoje uma geração que ainda apanhou uma certa época 'dourada' do jornalismo, quando muito as redacções tinham gente que muitíssimo bem (mesmo que alguns fossem melhores 'escritores' que 'jornalistas'). a redacção, por exemplo, do 'lisboa' (para falar da que conhecia melhor) nos anos 60 era um mimo...
mas também era mais fácil o jornalismo.
a informação hoje é muito mais complexa do que era...

ruinzolas disse...

Trabalho em design gráfico num jornal, desde 1993, e tenho assistido a uma progressiva renovação dos jornalistas que aqui trabalham.

Concordo em absoluto com o que aqui está escrito.

Os mais antigos (e mais caros) que por cá andavam foram quase todos embora.
E vejo por aqui muito "miúdo" a escrever tão mal mas a acharem-se tão "grandes".

A pressa de fechar cedo cada edição obriga a que tudo corra muito mais depressa, com óbvia perda de qualidade, até porque a auto-crítica não existe.

Muitas vezes, textos de dois ou três mil caracteres, limitam-se conter um paragrafo repetido duas ou três vezes, escrito de forma diferente.

Para dar um exemplo, neste jornal um dia destes saíu um texto sobre um desporto, com resultado, equipas... etc, etc... só faltava mesmo a indicação de que modalidade estariamos a falar.

Os tempos de produção deste jornal têm mudado muito. Posso dizer-vos que, em 1993, o jornal fechava pelas duas ou três da manhã e, por vezes, até mais tarde. Hoje, o mais tardar meia-noite e meia.

teresa disse...

O meu quiproquo com a "Visão" de há pouco menos de um ano, prendeu-se com o facto de serem feitas afirmações abusivas sobre "Profissões Privilegiadas" (penso que era esse o título, não sei se ainda guardo a revista).
Confrontada com a argumentação que enviei à redacção, a jornalista respondeu: "sei que é assim como escrevo, pois a minha mãe está dentro do assunto e disse-me que era assim que tudo se passava". Isto pode designar-se por "jornalismo de rigor" (talvez "rigor mortis")

gin-tonic disse...

Supõe que o jornalismo dito de cola e tesoura é tão velho como o próprio jornalismo. Quando refere que o jornalismo como o conheceu já acabou, tinha em mente o que se praticava antes do 25 de Abril. O jornalismo depois do 25 de Abril é uma outra história. AS redacções do "Diário de Lisboa", "Diário Popular", "O Século" t9nham não só excelntes jornalistas mas gente que escrevia português de uma maneira exemplar. Alguns já eram escritores com obra publicada, outros vieram a publi´cá-la e é uma longa lista.
E Carlos, o jornalismo não era mais fácil, o jornalismo era bem dificil porque havia que fugir às malhas da censura, e saber entrar no chamado escrever nas entrelinhas. E mesmo no jornalismo cola e tesoura havia um certo "feeling". Por vezes a escolha de um titulo para uma noticia transformava-se em mensagem. Num campo diferente, o da rádio, recorda o Luis Filpe Costa no RCP que num dia em que houve acções da LUAR contra o regime, terminou o noticiário da meia-noite com um: "FELIZMENTE HÁ LUAR".
Fica por aqui senão dá lençol...

ruinzolas disse...

Antigamente, os "miúdos" tinham de escrever muito até conseguirem estatuto que lhes permitisse serem classificados como jornalistas.

Hoje, até pelo que vejo aqui, saem dos cursos com a ideia de que sabem tudo. E já não têm referências que os ensinem, que os eduquem, que lhe corrijam os erros.

"A Bola" foi, em tempos, conhecida como a publicação onde se escrevia o melhor português.
Hoje há os FLIPS, os correctores e falta de responsabilização.

Isto não é fenómeno intemporal.
Em 16 anos, vejo bem a diferença.