9 de outubro de 2008

O Licor dos Silêncios


Achou engraçado que a Teresa sugerisse aos viajantes dos “Dias Que Voam” que fizessem compotas e as oferecessem pelo Natal aos amigos. Porque de imediato lembrou que é isso que uma querida amiga que vive no Porto, a poetisa Marta Cristina de Araújo, também pelo Natal, oferece aos amigos. Dois boiões de compota dentro de uma encantadora caixinha. E tem mesmo que dizer que, as de framboesa, são simplesmente irresistíveis.

Tudo isto levou-o ao ritual que mantém com um grupo de amigos.

Porque nem todos estão reformados a voragem do trabalho de hoje em dia não permite grandes tempos livres. Decidiram guardar a última sexta-feira de cada mês para um jantar sem limitações de tempo. A disponibilidade do escriba obriga-o a organizar e a confeccionar o jantar.

Porque é noite de Halloween o jantar de Outubro não necessita que seja uma sexta-feira. Este ano por mero acaso do calendário é mesmo uma sexta-feira. 

Nesse jantar se faz a prova do licor que vêem nesse frasco. É uma receita nórdica que amigos em Hamburgo lhe facultaram. À falta de um nome chamou-lhe o Licor dos Silêncios.

Começa a ser feito em Março, quando aparecem os primeiros morangos.

Num frasco de boca larga colocam-se 100 gramas de morangos, 100 gramas de açúcar e cobrem-se com aguardente.

No decorrer dos meses seguintes, coloca-se a mesma quantidade de açúcar e à medida que os frutos vão surgindo entram no frasco: framboesas, cerejas, ginjas, alperces, pêssegos, amoras, ameixas e cobrem-se sempre com aguardente. O último fruto a entrar no frasco serão as uvas.

Destina-se a ser bebido pelo Natal. Na noite de Halloween rectifica-se o açúcar ou a aguardente. Aqui começa um pequeno drama – a prova , porque a carne é fraca, mostra-se  sempre avantajada. O que chega ao Natal é quase nada. E isto se no jantar de Novembro alguém não se lembrar que se poderia provar mais uma lágrima, uma furtiva lágrimazinha de licor…

Assim decorrem os dias. Os dias que voam.

E que dizem da maravilhosa cor do licor? Conseguem ver? Cores de Primavera, de Verão, de Outono. De Inverno não serão porque, como ele já disse, o licor não chega ao Natal.

Salut!

4 comentários:

T disse...

Um maravilhoso texto, aliás como sempre.

T disse...

VErdade! E belos bonecos de barro.

J. disse...

posso fazer parte desse grupo so para receber uma caixinha de compotas no natal e aprender e fazer licores (e textos) assim? ;)

gin-tonic disse...

Sente que a tropeçar em tantos elogios ainda acaba por se estatelar ao comprido...
Os bonecos foram apanhados por acaso, havia que encostar a mesa a um qualquer lado por causa da luz.
Mas reconhece agora que compõem bem a fotografia. São de Estremoz, comprados num tempo em que se pagava o justo valor pelo artesanato. Hoje é uma exploração desenfreada e está pela pela hora da morte ou é "Made in China".
O licor é apenas seguir a receita, quanto ao resto lamenta não ter resposta. Sabe apenas que, por vezes, leva horas a escrever um simples parágrafo de meia dúzia de linhas.
A caixinha de compotas não desce até ao grupo jantarista, mas receia bem que este ano não virão. Marta Cristina de Araújo, uma belissima poetisa, mas como tantos outros, injustamente esquecida, tem 82 anos e já o ano passado disse que, possivelmente, eram as últimas compotas que fazia. Se assim acontecer continuará a ser Natal mas o escriba sentirá a falta desse lempejo de ternura.Irá então reler os seus versos.
"Hoje-finda-o-Outono-a-chuve-é-próxima/A-terra-só-tem-força-quando-está-molhada".