14 de outubro de 2008

A CIDADE É A EXPERIÊNCIA QUE DELA TEMOS



O que vêem na foto, foi o cinema “Pathé”, mas ainda o conheceu como “Imperial”. Ali viu muitos e muitos filmes, lembra-se de um em particular: “A Taberna do Irlandês” de John Ford, um filme de quem muitos fordianos não gostam. Ele sim, gosta à ufa: o filme é a história de dois homens que se reúnem, sempre, no dia em que ambos fazem anos. Um história de brincar, simples, com cenas maravilhosas: a recepção dos nativos a John Wayne, quando ele chega à praia daquela ilha do Pacifico, um som de cânticos e guitarras hawaianas, também a cena de pancadaria entre Lee Marvin e John Wayne ou Lee Marvin, de charuto, a brincar, numa manhã de dia de Natal, com um comboio eléctrico no balcão da taberna do irlandês. Considera-o um dos mais bonitos filmes de Natal, muitos dos amigos não percebem porquê, mas ele sabe do que fala.

Bom, mas ele não veio aqui hoje para abordar o filme. Antes queria falar do “Pathé”.
O edifício está entijolado há dezenas de anos, algumas dezenas mesmo. Situa-se na Rua Francisco Sanches, junto à Praça do Chile.
Teve o privilégio de nascer e crescer numa rua de Lisboa, que à volta era todo um mundo de salas de cinema: O “Cine-Oriente” na Avª General Roçadas e que é hoje um enorme prédio de habitação, onde está a Estação de Correios, que antes estava na Graça em frente à “Leitaria Mimosa”, o “Royal”, na Rua da Graça, é hoje um supermercado, o “Max”, na Rua Barão de Sabrosa, foi comprado pelo Patriarcado para lá instalar a Igreja de São João Evangelista,
O “”Lys” na Avª Almirante Reis, que depois foi “Roxy”, hoje é um complexo de escritórios e um enorme armazém de calçado, o “Rex” também na Avª Almirante Reis, que depois foi o “Teatro Laura Alves” é um hoje um Outlet Total, seja lá o que isso for, mais abaixo o “Salão Lisboa” que hoje é um armazém de venda a retalho e em processo de falência, o “Império”, junto à Alameda, alberga hoje uma seita dita religiosa.
Exceptuando o “Império” tudo o resto eram os velhos cinemas de bairro, os chamados “piolhos”, salas que marcaram uma época.
Aos domingos um ritual quase sagrado, preços populares, dois filmes, de baixa qualidade, pancadaria da grossa, índios e cow-boys e quando não havia pancadaria dizia-se que eram “filmes de manteiga”. No que ao cinema diz respeito, para ele, foi o princípio de tudo, magia da infância e adolescência As fitas, durante a sua exibição eram comentadas e participadas, aplausos, pateadas, piadas. No “Cine-Oriente”, mesmo perto da casa onde vivia, aos domingos, sentava-se, sempre, na 1ª fila da plateia, o Cabe, um tipo meio amalucado. Quando acontecia o bandido aproximar-se para atacar o “rapaz” pelas costas, o Cabé punha as mãos nos olhos e gritava: “Tu não tá a ver nada”, tu não tá a ver nada.”!
Quando o som falhava ouvia-se a malta em coro: “Oh marreco olha o sonoro!”. Ainda hoje não sabe donde veio a expressão. Talvez algum projeccionista, num qualquer cinema, que era marreco e a frase ficou para sempre. Quando a fita partia, acendiam-se as luzes e era pateada da grossa.
Se viram o “Cinema Paraíso” de Giuseppe Tornatore podem ter uma ideia do que ele está a falar.
Uma certa nostalgia, uma mal disfarçada saudade apodera-se dele. Tenta fingir, que não é nada.
Mas chegado aqui apetece-lhe dizer que o cinema foi o seu primeiro amor. Alguém, a espreitar, imaginariamente, por detrás do ombro, lendo o que ele está a escrever, murmura: “então onde metes o Benfica?”
Corrige, então: o cinema foi o seu segundo amor.

6 comentários:

Politikos disse...

E no Império ainda havia o Estúdio com uma vidraça absolutamente magnífica sobre a Alameda... e lá vi sei lá quantas comédias do Jerry Lewis...

Luís Maia disse...

Todas essas lembranças se repetem em mim, miúdo da Paiva Couceiro, ainda sem viaduto para fazer a Gen. Roçadas, havia sobe e desce para ir ao Senóriente.

Ao domingo havia cowboiada e Tarzan feito em Hollywood mais os seus cenários pintados

Recordações iguais mas cores diferentes, vocês nem sequer tinham o Azevedo e os outros violinos

T disse...

Mesmo pertinho de minha casa...quando fazem daquele espaço alguma coisa de novo?

gin-tonic disse...

Sim, ele também é do tempo em que não havia ponte na Avª General Roçadas e tudo aquilo eram quintas. Foi por esses lados que nasceu e por ali viveu toda a sua infância e adolescência.
Quanto ao resto, meu caro Luis Maia, dos cinco violinos só não viu jogar o Jesus Correia, mas para o lado que lhe diz respeito,, outros tempos vinham a caminho
Um abraço

gin-tonic disse...

Toda a razão, caro Politikos, uma vista magnifica sobre a Alameda. Maravilhoso espectáculo quando, no intervalo do filme, abriam a cortina e a Alameda, vista de lá do alto, surgia e era de se ficar a olhar, principalmente nos dias de chuva e não lhe perguntem o porquê dos dias de chuva.De todos os filmes que ali viu regista um em especial:"Uma Abelha na Chuva" de Fernando LOpes. Era um tempo em que os cinemas tinham programa e o do filme do Fernando Lopes é muito bem feito. Talvez o traga aqui por um destes dias...

Paulo disse...

Lembro-me que o Pathé tinha umas cadeiras que desciam lentamente e isso era uma atracção também, salvo erro o Londres também tinha.
Para mim era uma sala moderna para aquele tempo, o Roxy também foi uma novidade.