28 de abril de 2008

A roda da vida

Aqueles que se sentem decepcionados com o resultado do 25 de Abril não terão sabido interpretar a História. Refiro-me à história dos últimos 50.000 anos, mais mês menos mês. Se o tivessem feito ficariam maravilhados. Afinal de contas, e ao contrário do que pensava o bom do J-J Rousseau, nós não éramos tanto "bons selvagens" mas tão somente selvagens. E, saliente-se, ainda somos. Somos na verdade a espécie mais maldosa, safada e perversa à face da Terra. Isso, aliás, explica o nosso monumental sucesso no seu povoamento - levamos tudo à frente, de modo impiedoso. É portanto um mistério e quase milagre que, ao mesmo tempo que somos capazes das piores atrocidades, consigamos ser capazes dos maiores actos de generosidade desinteressada (não falo do estado social, que esse pode ser considerado, também, uma inteligente forma de egoísmo) da arte mais sublime, das criações mais assombrosas.

O Carlos poupou-me o elencar de tudo o que de bom resultou do 25 de Abril. Independentemente da Euribor, do preço do arroz e da gasolina, das cataratas operadas em Cuba, do carjacking e da TV miserável, diga-se o que se disser, nunca tantos viveram tanto e tão bem como hoje. Os discursos sobre o "antigamente é que era bom" revelam ignorância histórica crassa. Os apelos a uma "vida mais natural" esquecem que nessa vida "natural" as pessoas morriam como tordos de doenças banais. De parto. De fome. De ignorância, de superstição, de medo e de sujidade. O 25 de Abril, se algum pecado teve, foi o de ter tardado. Os que o fizeram não deverão ser esquecidos. E isto porque é apenas uma questão de tempo (a roda da vida é mesmo assim): um novo 25 de Abril será, um dia, necessário.

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