nunca mudei muito de barbeiros.
o primeiro que me lembro era em frente ao mercado de queluz (em frente à praça, que mercado não coisa que eu chamasse por aqueles tempos)
'à inglesa curto', ordenava a minha mãe.
quando comecei a trabalhar na rua da rosa, aí pelos idos de 61/62, havia na esquina desta com a travessa dos fieis de deus o barbeiro onde trabalhava o senhor fernando.
julgo que nunca lá cortei o cabelo, mas era onde comprava religiosamente o 'conhecer'. que era uma espécie de enciclopédia juvenil ilustrada que eu li toda aí pelos meus 13/14 em substituição dos '5' que nunca li.
o senhor fernando era do sporting e de alcains.
solteio ou solitário invererado. achava eu ao tempo.
hoje aquela solidão a afastamento do feminino levar-me-ia a pensar outras coisas. mas ao tempo eu era inocente e agora sou mal-dizente
tinha um colega um pouco mais velho e pai de família, doente do benfica, que partia pequenos rádios aos murros quando o benfica perdia.
davam-lhe umas ganas....
gostava de ouvir os relatos ali sentado na cadseira junto à porta.
nesse tempo eu cortava o cabelo nas escadinhas do duque. ao fundo.
era mais barato.
durante os meus 8 anos de bairro alto assim foi.
umas pequenas incursões noutras barbearias, mas fiel aos princípios. e ao 'bon marché'
pelo começo de 70 movi-me para o chile.
e mudei de barbeiro para o 'toni'
junto à ponte na rua de arroios.
dois sócios, ambos benfiquistas dos 7 costados.
frequentadores de todos os bailes de colectividade de lisboa e arredores. cheios de 'jogo' e de esquemas. penteado a condizer.
quase rockabilly na armação da pôpa.
corte à segunda dava futebol.
corte perto do fim de semana antecipava os bailes e os engates previstos futuros.
-laca não!!!!! por favor.
-não seques. vai mesmo assim....
passados muitos anos volto a ver o toni numa festa de campo maior. tinha casado com uma senhora de lá.
cantadora de saias e contadora de histórias. boa gente.
no começo dos 80's mudei para o campo mártires da pátria.
respeitei o toni (que entretanto tinha mudado um pouco mais para junto da pereira carrilho) durante uns tempos, mas depois mudei para o barbeiro ao lado da 'primavera' (dos melhores pasteis de nata de lisboa...) e lá fiquei vários anos.
vários barbeiros de vários clubes a garantir duscussão acessa e piadas afiadas à segunda feira.
até ao beto.
vizinho de 50 metros de casa
companheiro do primeiro café da manhã.
sportinguista ele também. antigo jogador dos juniores. ex-colega de alguns ex.craques e outros que ainda o são, mas afastado por uma lesão no joelho.
seja qual for o dia da semana. o cabelo é cortado ao som de dizer mal do sporting como só os sportinguistas sabem e deixam.
a auto-flagelação clubística.
sempre fui fiel ao estabelecimento.
nunca ao profissional.
quando entrei desta vez no cabeleireiro onde por recurso decidi cortar o cabelo e me perguntaram se tinha preferência, nao resisti a pensar, olhando para as senhoras disponíveis, que 'a que me massagar melhor a cabeça'... mas respondi.
-não.
e escreveu. s.p. a significar sem preferência
tal como gosto de chegar de manhã ao café e, apenas a troco de um bom dia, me colocam o público em cima do balção com um café.
gosto de chegar ao barbeiro e ouvir:
-o costume?
-sim.
saí de lá com o cabelo penteado para trás, espuma a dar um ar lambido e jeitos de chuleco de algibeira...
cortar o cabelo não devia ser uma coisa simples?
tipo... cortar?
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