O sistema de governo português é semi-presidencial (ou semi-parlamentar). Em Julho passado, o PR podia ter perfeitamente nomeado um PM com um programa de governo diferente do antecessor desde que essa nomeação respeitasse a composição parlamentar. Ou seja, PSL podia ser nomeado por JS mesmo que tivesse um programa diferente do de DB desde que esse programa fosse aceite pelos partidos com lugar na AR. Mas atenção! O PR mantém o poder de dissolver a AR e convocar eleições legislativas tanto no caso em que o potencial novo PM promete seguir o programa de governo anterior como no caso em que se está perante um novo programa de governo suportado pela AR.
Prometer uma coisa e fazer o contrário, antes de ser instabilidade, é um incumprimento do programa de governo. Um Primeiro-Ministro nomeado sem eleições e que tenha a sua nomeação fundamentada no cumprimento do programa de governo do Governo anterior pode ser demitido pelo facto de não cumprir esse programa. Isso não aconteceu com o Governo de PSL. Ou pelo menos, não aconteceu de forma mais grave do que costuma acontecer (Governos faltarem a promessas eleitorais é o costume e se isso fosse fundamento para demitir um governo então é que não haveria estabilidade possível!).
Também é preciso não esquecer que o incumprimento das promessas eleitorais é mais fundamento para uma moção de censura votada pelo Parlamento contra o Governo do que fundamento para o PR demitir o Governo: o PR julga sobretudo o funcionamento institucional do Governo e outros órgãos e não o seu funcionamento político; a intervenção política do PR sobre o Governo deve ser feita através do veto político dos decretos-leis e das leis que tenham partido de propostas do Governo e só em último caso com recurso ao poder de demitir o PM.
JS demitiu um Governo que é suportado por uma maioria absoluta na AR. É constitucionalmente legítimo que o faça. Agora vamos analisar se houve ou não instabilidade ou mau funcionamento institucional que justificasse tal decisão: um argumento a favor, um argumento contra; não estou ainda em condições de fazer uma conclusão.
Argumento a favor da ideia de instabilidade: um PM que nomeia hoje um ministro que se demite daqui a 4 dias demonstra incapacidade para escolher ministros. Um PM incapaz de escolher ministros deve ser demitido. Um PM que escolhe um ministro que se demite não por razões políticas (que podem ser legítimas e nobres) mas por razões pessoais deve ser demitido. Além disto, este caso recente do ministro que se demite não parece ser o único caso em que o PM por razões pessoais faz alterações à composição do Governo.
Argumento contra a ideia de instabilidade: a substituição de ministros na pasta do Desporto e Jovens não correspondeu a uma qualquer disrupção na execução das políticas tuteladas por aquele ministério. Ou seja, não houve qualquer instabilidade. A descoordenação dos discursos entre PM e ministros e entre diferentes ministros não provocou qualquer disrupção na execução de nenhumas políticas. Não há portanto instabilidade em nenhum ministério. A "má imagem" de que se fala em relação ao Governo não passa disso mesmo: uma imagem que pode não ter nada a ver com o output político oferecido por este governo. Assim como PSL é acusado de viver da sua imagem e não do conteúdo das suas ideias, acusação essa cuja justeza é muito discutível, este governo é injustamente acusado de ser instável meramente pela imagem que transmite (que é de facto uma má imagem) e não pelas políticas que pratica.
Dois exemplos de política instável que infelizmente não levaram a que JS demitisse um governo (que governava em maioria relativa ou em situação de 50% - 50%): fazer aprovar um orçamento comprando um deputado prometendo-lhe benefícios para a sua terrinha. Suficiente para demitir o PM e suficiente para dissolver a AR dando o ensejo para que a bancada parlamentar daquele deputado o expulsasse justamente das listas para mandatos legislativos. Alterar hoje a lei relativa aos índices de alcoolemia tolerados em automobilistas e recuar dias depois sob pressão do lobby dos produtores de vinho. Alterar uma lei e "desalterá-la" dias seguintes e ainda por cima pelos piores motivos é instabilidade suficiente para demitir um PM.
Sempre disse que JS no seu primeiro mandato era um frouxo. O seu discurso era sempre o mesmo: é preciso pensar muito bem este assunto antes de tomar uma posição. JS não era prudente nas suas declarações: era esquivo, evazivo e fraco. Foi incapaz de demitir António Guterres no seu primeiro e terrível governo, em que governou com maioria meramente relativa. Agora com um governo de maioria absoluta, é que JS se lembra de demitir o Governo com base em "dá cá aquela palha" ou, pior, com base em sondagens. Mas será que JS não percebe que as boas sondagens que AG tinha no tempo do seu mandato não poderiam nunca ser levadas a sério porque a população de qualquer país não dispõe de informação económica e financeira suficientes para discernir em tempo real quando é que a bonança económica é resultado de boas políticas ou meramente o resultado do ciclo económico?
Disto tudo resultam duas consequências: a má imagem de JS, com dois pesos e duas medidas: demite agora por pequeno fundamento um governo que dispõe de maioria absoluta quando, no passado, não demitiu por grandes e graves razões dois péssimos governos socialistas (um em maioria relativa e outro em 50% - 50%).
A outra consequência é que o CDS-PP sai muito forte: com excepção de Celeste Cardona e do alterar de posição recente de Bagão Félix, todos os ministros do CDS-PP deste e do governo anterior fizeram um óptimo trabalho e não podem ser responsabilizados pela eventual descoordenação no seio do governo. As eleições de Fevereiro poderão presentear o CDS-PP com uma subida de mandatos no Parlamento enquanto que o PSD deverá ter uma descida acentuada. Com o estado mórbido em que o PCP se encontra, isto pode significar que o actual regime de bipartidarismo com faixa concorrencial seja substituído por um regime de 3 grandes partidos (acompanhados de 3 resíduos marginais).
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