Era uma vez… um casal que, apesar disso, tinha uma relação de grande intimidade. Daqueles casais que se vêem muito nas comédias românticas, por oposição ao que se observa nos dramas quotidianos. Estes nossos heróis tinham acerca das relações interpessoais uma opinião muitíssimo particular: acreditavam que valia a pena investir nos afectos.
Um belo dia de Inverno decidiram conversar longamente sobre a possibilidade de adoptarem uma criança. A conversa girou em torno do que tinham para dar e dos que, nada tendo, teriam direito a receber. Não falaram de despesas, cor da pele, idade, sexo, ascendência, perfeições ou imperfeições. Conversaram apenas sobre dar e receber e chegaram à opinião consensual que se exercessem o dever de adoptar estariam a investir desinteressadamente no género humano.
No dia seguinte dirigiram-se ao organismo da segurança social da área da sua residência e comunicaram a intenção de adoptar a uma senhora extraordinariamente simpática, que os atendeu numa sala cheia de luz sem papéis espalhados e com o mobiliária a condizer. Após ter verificado todos os requisitos legais, enquanto o casal tomava um café trazido por um assistente igualmente simpático, foi emitido e entregue aos candidatos à adopção um certificado da comunicação e do respectivo registo.
Seis meses após a comunicação da intenção de adoptar, o casal foi notificado da decisão que aceitou a sua candidatura e que foi resultado de um estudo aturado sobre as suas personalidades, saúde, idoneidade para criar e educar o menor e a sua situação sócio-familiar.
Ainda não tinha passado uma semana sobre este feliz acontecimento, quando receberam na sua casa a visita de duas técnicas dos serviços da segurança social para lhes comunicar a existência de uma criança em condições de lhes ser confiada administrativamente, sempre com o seu acompanhamento, com vista a adopção.
Explicaram ao entusiasmado casal que se tratava de um período de pré-adopção e que não excederia os seis meses. E, para que não existissem dúvidas, seriam notificados do relatório mensal que as técnicas acompanhantes realizariam todos os meses.
O organismo da segurança social comunicou, em cinco dias, ao Ministério Público, a decisão relativa à confiança administrativa do menor, com os respectivos fundamentos.
O dia em que a criança lhes foi entregue foi um dia de imensa felicidade e de algum pânico. Seriam capazes? Estariam à altura do exercício do dever?
Tudo correu bem. Apenas tiveram que realizar alguns investimentos. De afectos, obviamente.
Sete meses após a data da entrada da criança em casa dos pais (sim dos pais), foi requerida a adopção.
Depois de realizada toda a tramitação processual foi proferida a sentença que decretou a adopção. Tinha passado pouco mais de um ano sobre a data em que este casal perfeitamente atípico tinha decido cumprir o dever de adoptar.
E embora tudo o que se passou (relatórios, petição, testemunhos, tempos mortos) após a data da entrada do seu filho (sim, filho) na sua casa lhes tenha parecido irrelevante, não deixaram de sentir um certo alívio por verificar, preto no branco, aquilo que já sabiam: eram pais.
Apetece-me dizer que foram felizes para sempre, mas não posso. Porque entretanto tocou o despertador e a dura realidade pintou de cinzento o arco-iris do sonho.
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